Análise Anthem (PS4)
Anthem é um loot shooter em terceira pessoa com um mundo bem construído recheado por decisões erradas e promessas não cumpridas.
Falta de liderança, indecisões, promessas não cumpridas, mudanças de escopo e de time. A aglutinação desses fatores transformou Anthem no produto final dúbio e sem carisma que é.
Anthem é um RPG em terceira pessoa online, desenvolvido pela BioWare e publicado pela EA, lançado em 22 de fevereiro de 2019, disponível para PC, Xbox e PlayStation com menus, itens e legendas em português do Brasil.
Senta que lá vem história
Pare entender a colcha de retalhos que Anthem acabou se tornando é necessário contextualizar alguns pontos.
A BioWare, desenvolvedora do jogo, foi fundada em 1995 e moldou sua identidade como criadora de histórias grandiosas de RPG, lançando os reverenciados Baldur’s Gate em 1998, Neverwinter Nights em 2002 e Star Wars: Knights of the Old Republic em 2003.
Com esses três lançamentos titânicos em um curto espaço de tempo, em 2005 a empresa se fundiu a Pandemic Studios, que havia lançado no ano anterior Star Wars: Battlefront, com posterior aquisição pela Eletronic Arts em 2007, por 855 milhões de dólares.
Sobe a batuta da EA, a BioWare produziu os excelentes Mass Effect 2 e Dragon Age II, mas problemas no desenvolvimento de Mass Effect 3, passando pelos conturbados relatos de crunching e trocas de equipe em Dragon Age Inquisition começaram a rachar a unidade da empresa.
E se esses problemas conseguiam serem contornados até então, a recepção fraca de Mass Effect Andromeda, tanto de crítica como de público, acabou colocando mais pressão ainda para que Anthem fosse um sucesso estrondoso.
E com certeza ele ainda faria muito barulho.
Hudson, we have a problem
Anthem começou a ser desenvolvido em 2012 e nos quase 7 anos em que ficou em produção ele pode observar a ascensão, queda e ascensão novamente de um jogo ao qual seria comparado a exaustão: Destiny.
E assim como o jogo da Bungie, Anthem prometeu muito mais do que viria a cumprir, como suporte de 10 anos aos jogadores, atualizações constantes, mundo gigante, vivo e dinâmico e pela demo mostrado na E3 2017, visuais incríveis.
Longe desse cenário que iria mudar os videogames, o game foi lançado repleto de bugs que impediam progresso, consoles estragando por rodar o game, além de um mundo com poucas áreas interessantes, um sistema de loot ruim, confuso e mecânicas desnecessárias ou mal implementadas.
Apesar de não ser a única razão das partes soltas que parecem não se encaixar em, parte da falta de direção pode ser atribuída a saída do diretor do projeto, Casey Hudson, em 2014.
E mesmo que depois ele tenha retornado em 2017, assumido o projeto novamente e agora também a direção do estúdio, isso causou várias mudanças de curso drásticas ao longo do desenvolvimento que já enfrentava outros problemas.
Mas tudo em Anthem é ruim?
A pergunta de um milhão de dólares
Não, nem tudo, mas o pouco que se salva é apenas isso: pouco.
O título tem uma ambientação riquíssima. Itens, códices, tudo isso mostra uma construção de mundo elaborada e grandiosa, um excelente pano de fundo sci-fi para um projeto que, nitidamente, esperava ser um sucesso e ter sequências.
Contudo, mesmo com esse universo rico, a história do jogo é mediana, e exceto por um único acontecimento surpreendente o resto do game joga na defesa e não faz nenhum gol. Anthem não explora com clareza os porquês dos acontecimentos, o que é esse Hino da Criação que dá título ao jogo, o que isso afeta o jogador e também os inimigos, deixando tudo meio vazio e jogado.
A jogabilidade basicamente se resume a falar com um NPC na base, que serve de hub, sair para esse mundo em uma missão e quando estiver quase derrotando os inimigos, eles chamarão reforços. Após a vitória o jogador é automaticamente transportado novamente para a base, e o ciclo recomeça. Tudo isso com loadings longos no início e no fim.
Mas essa é a estrutura de vários jogos, por que nesse é tão ruim?
Anthem é um loot shooter, então a mecânica central do jogo é conseguir novos equipamentos e experimentá-los.
O problema é que esses itens conseguidos de um inimigo ou através de baús só podem ser acessados ao final da missão, nunca durante ela. O único indicativo imediato do que esse loot pode ser é a cor do item, que está relacionado a raridade dele, mas o que é e se pode ser usado pelo seu personagem é um mistério até o momento de retorno a base.
Esses problemas são ainda maiores quando você resolve jogar o modo de partidas livres, sem missão específica.
Existem eventos que acontecem aleatoriamente e ao final de cada um o jogador é recompensado com um baú com vários itens e materiais para criação. E diferentemente das missões de história e contratos, ao final desses eventos é possível continuar explorando o cenário ou mesmo participar de novos eventos, mas o loot só será contabilizado quando voltar ao Forte.
O sistema de criação de itens também é ruim e mal estruturado. São necessários diagramas para criação de itens, mas só serão encontrados diagramas de itens que o jogador já tem no inventário e para aquela raridade.
Então mesmo que consiga materiais lendários não será possível criar uma pistola com essa raridade se você só tiver uma versão comum da mesma, já que assim você só terá encontrado o diagrama comum para crafting.
Outro detalhe que não gostei foi a moeda do jogo, obtida cumprindo desafio como matar um número X de inimigos ou explorando determinada região, as duas únicas utilidades para ela são a compra de aparências diferentes para a armadura, a custos altíssimos e para a criação de itens.
Além disso, não é possível comprar novas armas ou equipamentos com esse dinheiro. Money for Nothing, já cantava o Dire Straits.
Voar, voar, subir, subir
A mecânica mais gostosa de Anthem é voar com o seu Javelin e mesmo nisso a BioWare errou bastante.
Você não pode voar indiscriminadamente ou pelo tempo que quiser. A sua armadura esquenta, te obrigando a pousar e isso corta e muito a graça da mecânica, que do contrário seria excelente, mas que da forma como foi implementada se tornou no mínimo lamentável.
Se estiver jogando com amigos ou mesmo desconhecidos em co-op, às vezes será necessário pousar por alguns segundos para seu Javelin esfriar enquanto vê seus parceiros seguindo em frente por mais alguns metros sem você.
Até eles precisarem pousar também pelo mesmo problema e ver você dando um tchauzinho enquanto segue até o próximo superaquecimento te forçar a parar de novo e de novo, e de novo.
Ao começar o jogador precisa escolher um tipo de Javelin entre os 4 existentes. Um é mais rápido, outro resiste a mais dano e assim por diante, funcionando assim como as classes do jogo.
A eficiência de qualquer Javelin irá depender mais dos itens equipados do que das características individuais de cada um, o que é um incentivo a exploração para conseguir itens melhores. Mas esse ponto positivo esbarra também na mecânica problemática de recompensas, que expliquei acima.
Detalhe: escolha bem o seu Javelin porque você só terá acesso aos outros após atingir determinados níveis de progressão. Não está gostando do tipo de gameplay da armadura que escolheu? Jogue mais, mesmo contrariado, para ter a chance de usar outra.
Todo jogo tem seu público
Outro pecado de Anthem é guardar o melhor para o final. Novas fortalezas e missões lendárias, que são mais interessantes, só são habilitadas ao terminar o jogo e maiores dificuldades só quando jogador atingir o nível 30.
Então para ter acesso a recompensas melhores e uma jogabilidade um pouco melhor você precisará passar um tempo considerável em um game repetitivo e sem muita variedade.
Anthem é como um pastel de feira em que você morde e só come massa, dá uma segunda mordida e advinha? Mais massa e vento. A cada dentada a frustração aumenta, mas a expectativa em encontrar aquele recheio delicioso continua. Eventualmente você vai chegar nele. E ele é gostoso, mas será que valeu a pena encher a barriga de massa para comer esse tantinho de recheio?
Apesar de tudo isso, devido ao mundo rico criado para Anthem, a expectativa é que caso haja uma sequência, que a identidade do jogo seja mais definida e que consiga evoluir mecanicamente os diversos aspectos criticados pela comunidade de jogadores.
Isso claro, se até lá ainda existir a BioWare que um dia conhecemos. Se é que ela ainda existe.