Análise Ghost Recon Breakpoint (PlayStation 4)
Breakpoint evolui uma fórmula que funcionou muito bem em Wildlands e estabelece mais uma vez um novo paradigma para a série Ghost Recon.
A franquia Tom Clancy’s Ghost Recon estreou nessa geração de consoles com Ghost Recon Wildlands. Um jogo que a princípio pareceu ter muito de ação no estilo Uncharted e pouco de combate tático no estilo Tom Clancy. Lembro ter imaginado que a série parecia estar caminhando para se tornar Point Break: The Videogame (aquele clássico com Keanu Reeves e Patrick Swayze) e não demorou muito tempo para eu perceber que estava errado. Wildlands possui sim momentos de ação e explosão carregados de adrenalina e saltos de avião em direção à selva, mas fui pego de surpresa pelas possibilidades táticas que retornaram à série.
Wildlands se tornou meu jogo de cabeceira e um dos preferidos dessa geração, tanto que escrevi uma análise sobre ele meses após o lançamento e só deixei de jogá-lo esse ano após finalmente terminar a campanha. Eis que a Ubisoft anuncia Ghost Recon Breakpoint, continuação de Wildlands que uniu as duas histórias por meio de uma das operações especiais anunciadas como DLC gratuito e com uma presença mais que especial: Jon Bernthal foi escalado para viver o personagem Big Boss Cole D. Walker, principal antagonista. A antecipação estava nas alturas e finalmente posso falar sobre o que foi entregue.
I Will Survive
Quem jogou os testes beta do Breakpoint deve estar cansado a essa altura da introdução que mostra os Ghost, liderados mais uma vez por “Nomad”, a caminho do arquipélago ficcional Auroa para lidar com o sumiço do bilionário Jace Skell e o que parece ser uma insurgência das forças militares do local. Os helicópteros dos Ghost são derrubados por um enxame de robôs e antes que possamos dizer o nome de cada um dos três soldados que estiveram na Bolívia no jogo anterior, Nomad se perde de todos no acidente. Entre cuidar dos ferimentos e encontrar os destroços, descobrimos que Walker é o responsável pela tomada do arquipélago e não se passam sequer quinze minutos, já estamos rolando na lama para evitar que sejamos vistos pelos Sentinelas (as forças de segurança da Skell Tech) e pelos Wolves, todos ex-Ghosts sob o comando do Walker.
Logo de cara já é possível perceber que Breakpoint é algo novo. Controlar Nomad – cada um cria sua própria versão do soldado – passa uma sensação de inércia além da impressão de que o boneco está solto no cenário. Primeiro porque agora a câmera é livre (finalmente!) e pode girar 360° em torno do protagonista a qualquer momento e também porque não há mais esquadrão. Apenas o personagem, um pântano fedorento e os destroços de um helicóptero que pode ser visto mesmo de longe.
Algumas mudanças nos controles ocorreram para acomodar mais opções em menos toques de botão como a nova roda de itens antes eram acessados pelo D-pad e agora pode ser customizada e na prática são os itens que o jogador carrega na mochila e nos bolsos do colete à prova de balas. Os binóculos são um dos ítens que agora estão nesse menu radial e o botão que servia anteriormente para ativá-lo agora tem uma função muito bem-vinda: mostrar e esconder o HUD. Função crucial para a imersão no novo cenário natural presente na ilha que apesar de ser menor que o vasto território boliviano, também comporta diversos biomas e exibe uma atmosfera própria com uma aparência e sensação bem distintas do ambiente tropical sulamericano.
Auroa fica no meio do Pacífico, tão ao sul quanto a Patagônia e é incrustada de estruturas tecnológicas com meios de transporte futuristas, rodovias perfeitas e drones de patrulha tomando conta de complexos habitacionais modernos.
A estrutura do jogo, para quem não jogou Ghost Recon Wildlands, se apresenta em missões de infiltração em bases controladas por forças inimigas e que podem ser abordadas conforme a vontade dos jogadores. Breakpoint possui uma história linear mas o jogador é livre para explorar o novo mapa desde o primeiro momento, por florestas, pântanos e montanhas. A melhor parte é que tudo pode ser feito em Coop, com até 4 jogadores na mesma partida, basta convidar os amigos ou ingressar em qualquer partida (disponível) de terceiros.
Nesse ambiente externo iremos encontrar materiais (flores, frutas e minerais) para criar rações que nos darão vantagens temporárias específicas (como cozinhar em Zelda Breath of The Wild, mas sem a musiquinha) ou combustível para o maçarico, por exemplo, que nos permite abrir brechas nas bases inimigas. Vantagens como sofrer menos dano durante a próxima hora de jogo, regenerar energia mais rápido, ganhar mais resistência ou mais agilidade e precisão com a arma são conseguidas por meio desses consumíveis e também por um novo sistema de emblemas (Perks) integrado à nova árvore de habilidades que mesmo oferecendo mais opções ao jogador, é inegavelmente mais complicada de usar que a do título anterior, Wildlands.
Além do nível regular que conseguimos evoluir conforme jogamos e do quase-novo sistema de nível dos equipamentos (falarei dele mais pra frente), Breakpoint permite designar classes distintas para cada jogador, cada uma com suas características próprias. Eu escolhi jogar com a classe “Pantera” que prioriza furtividade e fluidez dos movimentos em detrimento de poder de fogo e resistência física, um estilo de jogo muito similar ao que já existia no Splinter Cell Blacklist com o nome, veja só, “Fantasma” (Ghost). As outras categorias são “Assalto”, “Atirador de Precisão” e “Médico de Campo”. Uma das habilidades desse último é poder reviver seus companheiros de maneira mais rápida e cada um deles possui outras habilidades únicas. Mas nada disso é fixo e o jogador pode trocar de classe a qualquer momento para desfrutar das habilidades inerentes a ela. Essa é apenas a primeira escolha numa ramificação de habilidades a serem desbloqueadas que a meu ver poderiam estar dispostas de maneira mais prática, pelo menos para os jogadores de consoles.
As melhorias estão organizadas por função e não apenas por equipamento, então algumas habilidades do drone estarão agrupadas juntamente com algumas do jogador ou dos binóculos em vez de estarem todas juntas mas isso não é tão confuso como a disposição desses grupos na tela. É preciso mover o cursor de um canto a outro desse menu para visualizar algumas skills que estão lá no topo, nos galhos mais altos da árvore.
Recortes do cenário principal também são utilizados para as partidas multiplayer PvP que, além de serem disputadas com o mesmo personagem da campanha, desta vez vieram no pacote do jogo principal no primeiro dia (assim como o ótimo modo fotografia). Como no Ghost War anterior, oito jogadores divididos em dois times se enfrentam num cenário amplo que agora diminui de tamanho conforme a partida avança. Antes eu só suspeitava mas agora tenho quase certeza que devemos ver algum modo Battle Royale no futuro e eu torço muito por isso.
Da Lama Ao Caos
Breakpoint possui muitos sistemas sobrepostos e às vezes fica tudo muito complexo. Wildlands conseguiu um feito e tanto ao apresentar um jogo satisfatoriamente bem polido e competente em tamanha escala mas com várias concessões de jogabilidade que Breakpoint acertadamente agora incrementa. Fiquei positivamente surpreso quando encontrei um jogo bem melhor cuidado do que as versões que experimentei na fase beta, quase sem problemas e bem mais bonito.
Sei que muitos jogadores experimentaram algum tipo de bug mas a única coisa que deu errado nas minhas sessões foi a demora no carregamento do modelo das armas após retornar de uma tela de loading, o que faz minha personagem sair por aí com as mãos abanando. Um aspecto que não melhorou muito, no entanto, foram as atuações dos personagens secundários que parecem estar aquém da qualidade vista nas cenas em que o Jon Bernthal está presente. O próprio Jace Skell é um exemplo dessa disparidade, enquanto a filha de um dos engenheiros possui um modelo bem mais crível.
Das novas mecânicas, a que mais chama atenção certamente é a camuflagem no estilo Major “Dutch” Schaefer, que coloca o jogador se esgueirando na mata, na lama ou na neve para não ser detectado pelos robôs e soldados inimigos que estão em toda parte do mapa. Onde quer que uma missão ocorra, é crucial que o avanço pela ilha sitiada seja feito com cautela e essa nova camuflagem, a possibilidade de rolar no chão para se esquivar e também de se atirar ao solo podem salvar o jogador e impedir que uma sessão bem planejada se transforme num pandemônio, porque mesmo com controles sólidos os enfrentamentos não são fáceis e os inimigos sempre chamam reforços.
Enquanto as novidades da jogabilidade são mudanças absolutamente positivas, os sistemas de equipamentos do jogo são no mínimo controversos.
Esses são quase-novos porque estão em um Ghost Recon pela primeira vez mas já foram apresentados em The Division 1 e 2 (leia a análise do The Division 2) e nos Assassin’s Creed Origins e Odyssey os sistemas de Pontuação de Equipamento ou Gear Score que além do nível clássico conseguido com ações nas partidas, atribui pontos e atributos tanto para as armas quanto para as roupas e equipamentos de proteção.
Dessa forma seu nível determina quais habilidades serão desbloqueadas com XP e o Gear Score determina o nível de dano, logo, de desafio que você é capaz de enfrentar – os Wolves, por exemplo, são inimigos de nível bem alto – mas se você prefere o bom e velho formato Tom Clancy de “Um tiro, uma morte”, fique tranquilo porque ainda que os inimigos estejam classificados por nível e qualidade dos equipamentos, um tiro na cabeça com qualquer arma segue sendo letal, diferentemente do formato RPG da série The Division.
Esse formato traz o sistema de espólios (loot) para o jogo que funciona de forma bem satisfatória mas pode não agradar a todos, assim como a necessidade de conexão permanente com a internet mesmo em partidas solo. Existem caixas espalhadas pelo mapa que guardam uma de três opções: armas ou esquema para montagem, equipamentos de proteção ou crédito; e conforme o avanço no jogo, mais equipamentos serão encontrados – inclusive deixados pelos inimigos abatidos – que terão sempre maior pontuação que os anteriores, pois se adequam ao nível do personagem. Isso causa uma constante troca de equipamentos por cada partida, fazendo com que raramente fiquemos com nossa arma preferida, por exemplo.
A solução para isso é que existem esquemas de construção de equipamentos a serem encontrados que permitem a fabricação de uma arma daquele tipo na loja da base central dos Ghosts (Erewhon) ou nos acampamentos provisórios espalhados pela ilha, os Bivaques (Bivouacs). Só a adição desse sistema já incrementa a complexidade das escolhas a serem feitas dentro do menu principal e eu gostaria que as armas estivessem classificadas por tipo, pelo menos, já que rolar uma lista única com tudo que foi encontrado em campo pode ser bastante confuso, apesar da nota das armas estar bem destacada por ser a informação primordial.
Além desse gerenciamento, a adição dos Bivaques, que substituem em partes a ajuda dos rebeldes bolivianos com veículos e são úteis para quem prefere as viagens rápidas e não quer atravessar toda a ilha, também oferecem opções de melhoria temporária para o personagem. Aquelas rações que garantem benefícios temporários são preparadas nesses acampamentos que permitem também que o jogador consuma alimentos, beba água, conserte drones ou faça um breve alongamento (todas as ações possuem animações) e acesse seus veículos. Uma boa oportunidade de preparação antes de enfrentar missões que podem ser difíceis, especialmente quando jogamos sozinhos, já que não há equipe formada por NPCs.
A inteligência artificial dos inimigos varia de momento a momento. São uma grande ameaça aos planos de quem pretende passar 100% despercebido durante as missões mas não possuem a mesma eficiência quando somos descobertos. Não quer dizer que não sejam letais quando estamos em desvantagem, mas que é relativamente fácil despista-los e esconder no cenário. Acho que isso é mais um elogio às opções de camuflagem do que crítica à inteligência artificial, cuja maior falha é não conseguir lidar com um Ghost dentro de um bunker ou sala fechada. Eles entram pela porta, um de cada vez, em vez de jogar granadas ou executar qualquer outra tática.
Holy Land
A Ubisoft deu um passo ousado com Ghost Recon Breakpoint. Wildlands se saiu muito bem e foi bastante popular e se poderia imaginar que sua sequência seguisse o mesmo formato, assim como aconteceu com AC Origins e Odyssey mas aparentemente a mudança ocorreu exatamente para colocá-lo no mesmo patamar desses dois jogos, ainda que Wildlands já contasse com microtransações e loot boxes (nunca quis tanto comprar algo como os personagens do Rainbow Six Siege pra jogar no Ghost Recon). Auroa é o exato oposto da região boliviana que não possui qualquer saída para o oceano e é, infelizmente, um país pobre do terceiro mundo.
A ilha futurista utópica é um experimento tanto dentro do jogo como fora dele, já que o sucesso deste título deverá influenciar a próxima iteração da franquia, e recebemos um jogo que mesmo com essas mudanças, conseguiu refinar os dois pilares fundamentais em qualquer videogame: sua jogabilidade e sua história. A primeira, ainda que fosse competente, deixava a desejar com a câmera fixa como em H1Z1 (e isso jamais será um elogio) e os poucos movimentos executados pelos Ghost, agora apresenta ações mais específicas como o combate corpo a corpo que foi bastante melhorado, e até elegantes como a camuflagem no chão e a possibilidade de carregar os companheiros.
A história merece seu próprio parágrafo porque se em Wildlands ela se resumia a vídeos e cenas com a Karen Bowman em algum casebre no meio da Bolívia (eu adorava assim mesmo), as cutscenes em Breakpoint apresentam contexto e são muito melhor atuadas além de contar com o carisma do Jon Bernthal em quase todas cenas que cumprem muito bem o papel de manter o jogador investido no jogo e no propósito do Nomad: a boa e velha vingança.
Born to Be Wild
Ghost Recon Breakpoint coloca a série de tiro tático militar no mesmo patamar do carro chefe da Ubisoft, Assassin’s Creed (ao menos nas mecânicas) e se vale de um antecessor de sucesso para alcançar ainda mais pessoas interessadas no estilo. Mesmo com mudanças em alguns sistemas, o jogo melhorou muitos aspectos relacionados ao antecessor (eu ainda prefiro o controle clássico dos helicópteros e não temos a mesma quantidade de roupas no início do jogo), especialmente nas mais relevantes, como mencionei anteriormente. A julgar pelo anterior, sabemos que esse título deverá contar com o suporte dos desenvolvedores por bastante tempo e não tenho dúvidas de que irei aproveitá-lo por um longo período.
Se você ainda tem alguma dúvida, eu recomendo muito que você jogue Breakpoint. Ghost Recon é uma das minhas franquias preferidas, esse formato de mundo aberto me agrada muito e estou adorando Auroa. Espero que um próximo título volte a explorar conflitos políticos hipotéticos como o da missão na Bolívia mas mesmo assim não posso me queixar de voltar a me infiltrar em uma ilha fictícia para enfrentar soldados com tecnologia avançada liderados por um ex membro da força especial da qual o protagonista faz parte. Só não quero ter que ficar amigo do Otacon de novo.
A análise de Tom Clancy’s Ghost Recon Breakpoint foi escrita com base em uma cópia de PS4 fornecida pela assessoria de imprensa do jogo.