Análise The Last of Us Part II (PlayStation 4)
The Last of Us Part II expande a estrutura vista no primeiro jogo e faz mudanças profundas para contar uma história ambiciosa e dolorida.
Nessa geração a Naughty Dog lançou menos jogos. Foram dois jogos inteiros, um spin-off mais curto e um remaster para o PlayStation 4 sendo que o PlayStation 3 teve a trilogia inteira do Nathan Drake e The Last of Us, o dobro de lançamentos completos. Isso porque jogos ficaram mais demorados e mais caros de fazer quanto maior forem o escopo e o nível de detalhamento empregados em um lançamento AAA. Com um custo tão alto (nem vou entrar no problema das horas excessivas de trabalho, o novo padrão da indústria) o sucesso de vendas passa a ser obrigatório e um dos ingredientes para isso é procurar agradar a maior quantidade possível e impossível de jogadores. Apesar disso e mesmo sendo um dos jogos mais vendidos do PlayStation 4 já no primeiro dia, dá para dizer com certeza que The Last of Us Part II não tenta agradar ninguém.
Pagando Por Tu Actitud
Conforme eu colocava mais horas na jornada de The Last of Us Part II, ficava claro que eu tinha um produto novo na minha frente. Não porque é um lançamento mas porque a continuação da história de Joel e Ellie é bem diferente de tudo o que eu já havia jogado. Já passei por jogos com capítulos dividindo história e até protagonistas paralelos mas o modo como Neil Druckman e a escritora Halley Gross montaram sua nova obra (que tem influências claras dos culpados de sempre: Mikami, Kojima, Coppola, Scott, Spielberg, Tolkien) remete muito mais a um livro em que longos trechos de exposição e relacionamento entre personagens carregam a história adiante até que essas relações resultam nos conflitos e na ação.
Os personagens agora vivem em Jackson, na comunidade fundada por Tommy e sua esposa, Maria. Passados quatro anos desde que vimos Joel mentir para Ellie, os moradores trabalham para subsistência e proteção da comunidade com patrulhas que rondam as regiões próximas ao vale para se livrar dos infectados. É em uma dessas rondas que tudo começa a dar errado para o grupo de patrulheiros do dia e quando Ellie é colocada em um caminho de obsessão, culpa e morte. Infelizmente eu não consegui deixar de ver a mão da roteirista carregando a personagem pelo colarinho para colocá-la nessa estrada como uma peça em um tabuleiro e isso acontece por uma razão: Ellie, suas ações e as de todos os outros personagens é que estão a serviço dessa nova história e não o oposto. Incluindo Joel, cuja jornada e trauma pessoal são indissociáveis do tema do jogo original.
Druckman e seu time criaram um mundo onde para cada ação haverá uma reação. Imediatas ou não, nesse mundo as consequências nunca são bonitas e todo passo dado em falso será punido. Isso só não viu quem não quis ver já que o jogo de 2013 deixou bem claro quando a matança promovida pelo Joel colocou Ellie na mira dos caçadores liderados por David e mais ainda quando o desespero do Henry antecipa a decisão final de Joel. Nesta continuação, com raríssimas exceções, tudo sempre vai de mal a pior e o próprio caminho trilhado por Ellie atrás do que ela chama de justiça deixa rastros impossíveis de apagar, aproximando ela daquilo que, conforme sabemos pelo Tommy, foi o passado do violento do Joel. E da mesma maneira que antes, Ellie vira alvo dos grupos cujos integrantes ela elimina tão facilmente enquanto avança.
Killing Is My Business… And Business Is Good!
Se você, assim como eu, adora a história de The Last of Us mas não gosta tanto da jogabilidade dele, trago boas novidades. Os controles em The Last of Us Part II estão bem mais responsivos e mesmo ações idênticas ao primeiro jogo estão mais bem representadas. Apesar de ainda não ser tão fácil atirar como em outros jogos – dá pra entender essa dificuldade como fator de realismo – coletar recursos no cenário, equipar ou trocar armas, criar itens e munição, andar abaixado e correr são bem melhor executadas aqui graças ao avanço de uma geração inteira entre os dois jogos. Outras coisas como quebrar vidros, esquivar, pular (ok, não tem tanta serventia) e poder deitar-se são novidades muito bem vindas, especialmente esse último que transforma os trechos de combate em um jogo stealth de verdade, com um cheiro bem forte de Metal Gear Solid 3, por conta do avanço pela grama alta e falando em influências, um outro trecho em que é preciso avançar pelos corredores escuros de um hospital tomado por infectados é tão tenso e claustrofóbico que parece ter saído do remake de Resident Evil 2. É de aquecer o coração dos fãs de survival horror.
Essas novidades e o desenho das áreas tornam o combate do jogo muito mais satisfatório que antes. Lembra do trecho “faça os tiros valerem a pena” no jogo anterior? Todas as áreas de combate agora são como aquela ou até maiores e se espalham verticalmente por vários andares ou por baixo d’água em certos casos. Poder nadar submersa por vários metros (sim, Ellie aprendeu) para despistar os inimigos e poder se reposicionar é demais! Ellie possui as mesmas habilidades do jogo anterior, aqui falo especificamente do seu canivete que permite despachar infectados e pessoas com mais facilidade do que Joel, que precisava criar estiletes improvisados e essa jogabilidade ainda ecoa nos trechos onde precisamos asfixiar os inimigos.
Incrível também é o modo como os personagens reagem aos tiros, facadas e bombas. As expressões de raiva no rosto da personagem e as marcas de sangue que sujam o chão depois de uma execução são um primor e só ficam atrás, em termos de representação de violência, do efeito dos tiros e das minas terrestres que despedaçam qualquer pobre coitado que pisar nelas, infectado ou não. Não serão poucas as vezes que os inimigos irão dizer o nome do companheiro morto ou que os cachorros irão chorar a morte dos seus donos ao lado dos corpos (coitadinhos!) e mesmo que isso seja apenas perfumaria, esses detalhes contribuem ao adicionar mais uma camada de veracidade à reação dos inimigos que estão mais organizados mas ainda são um pouco burros. Por sorte o jogo possui um sistema de dificuldade bastante customizável e dá para aumentar a agressividade dos inimigos.
Infelizmente o jogo perde a chance de relacionar melhor o que fazemos controlando a personagem com a o que acontece na tela. A parte coerente é que Ellie vai ser caçada sim como resultado das mortes que causa, a parte não tão coerente é ser fácil demais matar tanta gente. Um exemplo: em certo ponto (que inclusive é um dos melhores cenários do jogo) Ellie se vê cercada por um grupo inimigo que se comunica de um jeito completamente diferente de tudo o que já vi (muito impressionante, aliás) e o mínimo que eu esperava é que ela (eu) fosse capturada ou comesse o pão que o diabo amassou para tentar fugir dali. Imaginei que eles, que estão em maior número, teriam total facilidade de encontrar e subjugar uma pirralha que caiu naquele lugar por acidente mas não. Essa característica nova dos inimigos é apenas superficial já que eles se comportaram como qualquer outro soldado e Ellie não teve muita dificuldade para matar dezenas deles mesmo estando em clara desvantagem. Uma oportunidade perdida de abrilhantar ainda mais um produto já tão bem feito que acabou por empobrecer um pouquinho a jogabilidade. Paciência. Às vezes um jogo é só um jogo e os cachorros são definitivamente mais espertos que os inimigos humanos. A melhor surpresa do jogo.
Of Wolf And Man
É curioso testemunhar como de início The Last of Us Part II apresenta um fio central para conduzir a história e os poucos revela que esse arco é na verdade fragmento de um tema bem mais amplo revelado em trechos de diálogos, nas afiliações dos personagens e mais para frente, absolutamente em tudo o que se vê em volta: Violência (não vou entregar mais que isso). A máxima “O homem é o lobo do homem” que já era real em The Last of Us como é nas melhores histórias que envolvem a zumbificação da população, aqui é quase esfregada na nossa cara com a ressalva de que as pessoas também podem ser o oposto, mas é preciso decidir pagar o preço por essa decisão. Os conflitos da história podem ser alegorias para o que o jogador quiser que seja pois se aplicam a praticamente qualquer disputa, em qualquer escala e, meu amigo, The Last of Us Part II eleva a escala do que foi feito antes, amplia e alonga a experiência até o limite. Até além do limite, pode-se dizer.
Eu terminei o jogo exausto porque é quase impossível deixar o controle de lado. Sequências e mais sequências formam um encadeamento imenso de acontecimentos e desdobramentos que apesar cansativos, não ouso apontar como defeito. Neil e Halley tomaram a decisão consciente de levar essa história até as últimas consequências e mesmo com excessos e falhas (ou por causa deles), The Last of Us Part II é o que é. Goste-se ou não.
Drown In My Own Tears
The Last of Us Part II é um produto tecnológico recheado de ciência e cultura. A origem de cada personagem confere a ele ou ela traços de personalidade e conhecimentos únicos que são compartilhados com o jogador nos diálogos e ensinam sobre aquele mundo. Ensinam também sobre o nosso mundo real que vaza para dentro do jogo em um ou outro comentário aqui ou ali ainda que em última análise, só o mundo dentro do jogo importe. O mundo, seu tema e seus personagens que por vezes tentam fugir e por outras o reforçam seus arcos mais ainda.
Para conseguir transmitir tanto a Naughty Dog criou uma experiência densa em tom e conteúdo que dificilmente irá agradar todo mundo que vier a jogar (já existe petição para que a história seja refeita) justamente por levar os personagens onde nós aqui de fora não gostaríamos que eles fossem. Mas eu digo com todas as letras que é um jogo imperdível se você possui um PlayStation 4 mesmo que ele não te encoraje a jogar múltiplas vezes já que nessa jornada não há nenhuma recompensa. Apenas consequências.
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