Análise Godfall (PlayStation 5)
Godfall é um dos jogos que inauguram a geração no PlayStation 5. Um RPG de ação “looter-slasher” em um universo de fantasia.
Brilhante e grandioso. Foram as primeiras palavras que me vieram à cabeça quando comecei a jogar Godfall no PlayStation 5. A ambientação de fantasia é bem estabelecida logo no filme de abertura do jogo dando uma boa ideia do que se trata: um jogo-serviço de mundo semiaberto, com muito loot, combate físico e progressão de RPG. Uma mistura de Destiny com a reimaginação de God Of War lançada em 2018. No entanto, conforme fui avançando no jogo percebi que Godfall tem boas surpresas por baixo da armadura lustrosa.
Esqueça a narrativa
A premissa narrativa de Godfall é ambiciosa e épica: os irmãos Macros e Orin, guerreiros Valorianos, iniciaram uma guerra entre si uma vez que Macros resolveu que precisa “ascender” para a condição de deus. Orin perde a batalha e precisa correr contra o tempo para interromper o ritual que fará de Macros um ser onipotente. Para isso, precisa derrotar os guerreiros de confiança de Macros, drenando o Aetherium que lhes dá poder até conseguir confrontar seu irmão novamente.
Embora pareça algo interessante, a verdade é que a narrativa de Godfall é a parte mais irrelevante do jogo, pois parece ter sido feita apenas como justificativa para a criação da ambientação e personagens. Basicamente, você é do bem e deve derrotar os caras maus. Nada é muito desenvolvido e não há carga emocional que nos faça importar com os eventos narrados ou personagens em tela.
Dá pra notar a clara influência de Destiny no mundo de Godfall, para o bem e para o mal, sobretudo na construção de uma premissa que justifique a ambientação e o tipo de gameplay em uma campanha de curta duração, deixando a narrativa bastante vaga para dar uma versatilidade ao jogo base com o acréscimo de conteúdo por meio de atualizações futuras. Assim, embora o filme de introdução seja bem bacana, o lore de Godfall é de certa forma irrelevante, pois o foco do jogo é a jogabilidade e o loot.
Espada, lança, martelo e adagas
Se a narrativa de Godfall não é das melhores, o gameplay compensa, sobretudo no combate. Mas para chegar nesse ponto é necessário entender a estrutura do jogo para não esperar dele algo que não foi proposto. Se você joga ou jogou Destiny, The Division 2, Marvel’s Avengers ou mesmo Diablo III, vai captar rapidamente a ideia o tipo de jogo a Counterlpay Games desenvolveu.
As fases são abertas e contém vários objetivos no mesmo mapa e pontos de interesse como baús com equipamento e moedas, além de itens que serão utilizados para construir novas armaduras e realizar melhorias nas armas. Não há inimigos em toda parte, e enfrentá-los não é obrigatório, sobretudo quando Orin estiver em níveis mais altos, pois os inimigos comuns deixam de ser qualquer desafio. Ainda assim, explorar é importante para adquirir novos itens e moedas que serão essenciais no futuro.
Logo fica evidente como a narrativa de Godfall é um elemento secundário, pois somos requisitados a ir do ponto A ao ponto B a todo momento e interagir com algum elemento no cenário até desbloquear o caminho para um inimigo mais poderoso que deve ser derrotado. Felizmente, atravessar o cenário vasto de cada fase pode ser feito com ajuda de pontos de tele-transporte ou correndo, caso em que ganhamos um impulso para chegar mais rápido. Com o passar do tempo, é natural ignorar completamente os inimigos comuns e ir direto aos objetivos, onde poderemos colocar nossas habilidades de combate à prova.
É nesse ponto que Godfall brilha tal qual as armaduras de Orin. Utilizando um arsenal de armas físicas e um escudo, o combate é fluído e desafiador na medida certa. A realização de combos é um elemento-chave para o sucesso, mas não é tarefa fácil pois os inimigos são capazes de desferir golpes indefensáveis enquanto estamos com a guarda baixa para o ataque. As lutas em Godfall possuem uma dinâmica própria, que poderiam até lembrar Dark Souls, mas é diferente o bastante para não ficar sob a sombra do clássico da From Software.
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— tiagohardco – Canal #SóCurte! (@tiagohardco) January 13, 2021
A utilização do escudo, por exemplo, é um dos pontos altos do jogo, com ataques de investida, defesas precisas que acumulam poder e podem devolver parte do dano de ataque, lançamentos e golpes de área devastadores. Cada arma também possui um conjunto de movimentações próprio e cada tipo tem suas vantagens contra determinados inimigos ou na construção de estratégias distintas. Por exemplo, as adagas tem ataque mais rápido e embora causem menos dano, combinam muito bem com a habilidade temporária de voltar a barra de vida de Orin a cada acerto (desbloqueada com a utilização de bandeiras, nas fases mais adiantadas).
Até mesmo a limitação nos tipos de armas (lanças espadas longas e gigantes, martelos e adagas com níveis de poder e raridade) é algo bem-vindo, já que a todo momento encontramos itens novos e gerenciar um inventário nesse tipo de jogo pode ser um prazer para muitos e pesadelo para tantos outros. A cada nível desbloqueamos novos movimentos e habilidades especiais para utilização em combate como “ataques de polaridade”, “ataque com timming“, “fúria” e “melhoria de escudo” que alteram significativamente a maneira que jogamos e aumentam as possibilidades de ataque, defesa e esquiva contra grupos de inimigos ou chefes de área, transformando Godfall em algo melhor do que um simples hack n’ slash.
Além das armas e habilidades também existem itens que concedem bônus passivos como anéis, amuletos, encantamentos, pedras de vida, além das diferentes armaduras que podem ser desbloqueadas e dão nova cara, gênero e habilidades para Orin. As armaduras, aqui chamadas de Valorplates, são um dos pontos mais interessantes do jogo e servem como customização do personagem, ainda que de maneira muito limitada, revelando uma faceta inesperada em Godfall que esbarra nos heróis de seriados tokusatsu como Cybercops e Power Ragers ou animes como Saint Seiya.
Brilhante, mas não tão grandioso
Acompanhando a qualidade técnica das mecânicas de combate, Godfall traz gráficos dignos da nova geração de consoles. A direção de arte talvez pareça um pouco genérica com uma ambientação de fantasia exagerada e muito brilho em toda parte, mas não se pode negar a beleza dos cenários e o design bem variado das criaturas e inimigos. Os efeitos visuais são excelentes e passam muito bem a noção da força dos golpes, com destaque para a finalização “soul-shatter” que explode os inimigos de dentro para fora. Não há sangue no jogo e tudo fica dentro da temática de fantasia juvenil, sem implicação mais séria além do conflito do bem contra o mal.
Todavia, alguns efeitos de status como congelamento, por exemplo, não são mostrados visualmente no personagem e aparecem apenas como ícone na tela, o que é estranho já que o dano de fogo e de maldição são bem visíveis sobre a armadura, revelando uma inconsistência gráfica não desejada. Outro aspecto negativo é o inesperado “pulo de quadros” (frame skipping) mesmo com a escolha do “modo de performance” nas opões do jogo. O problema aparece depois de algum tempo de jogo e atrapalha muito em batalhas, uma vez que o ritmo delas é frenético. Literalmente, a imagem na tela pula de um momento para outro em uma fração de segundo, sem mostrar o que aconteceu, algo diferente das quedas de framerate. Um problema técnico que precisa ser corrigido.
Por outro lado, não há problemas técnicos com o som. A trilha sonora é orquestrada como não poderia deixar de ser para poder transmitir o clima épico pretendido pelos desenvolvedores. O tema principal é bem bacana e gruda na cabeça após algumas horas de jogo. O design de som também é de alto nível, com efeitos sonoros para tudo que aparece na tela.
Embora o jogo seja totalmente dublado, as vozes e as legendas estão em inglês, o que pode ser uma camada de dificuldade para aqueles que não dominam o idioma de J.R.R. Tolkien, pois existe uma grande quantidade de habilidades, status e itens a serem utilizados e compreendidos no jogo. Pelo menos a carga de informações não é muito grande, pois a escrita do jogo traz diálogos sofríveis, cheios de frases de efeito que não dizem muita coisa (chega a ser engraçado).
O preço da Valorplate
Godfall é um jogo imperfeito, mas com bases sólidas. Embora a narrativa seja muito rasteira e as fases pareçam vazias a maior parte do tempo é na batalha contra inimigos de alto nível que o jogo brilha, pois todo o sistema de combate foi muito bem desenvolvido. Aliás, o ciclo de gameplay com lutas para ganhar novos itens e desbloquear o acesso a chefes de fase funciona bem a ponto de agarrar o jogador na frente da televisão por algumas horas. O ritmo frenético das lutas e a dinâmica rica em habilidades são muito satisfatórias, ainda que o jogo demore um pouquinho para chegar nesse lugar.
Não espere uma complexidade que não existe em Godfall. Apesar do visual barroco, o jogo se resume a correr, lutar, ganhar novos equipamentos e fazer tudo isso de novo e de novo, com caça a monstros e chefes de área e arenas de luta. Como o sistema de luta é muito bem polido, Godfall tem potencial para ser um bom jogo-serviço com atualizações constantes, capazes de manter os jogadores engajados, sobretudo se melhorar alguns aspectos técnicos e facilitar o encontro de outros jogadores (por enquanto o multiplayer está habilitado somente entre amigos). Todavia, Godfall ainda não atende essa expectativa.
Como estamos em tempos difíceis e os jogos estão mais caros do que já são normalmente, é interessante ponderar se esse tipo de jogo é para você antes de desembolsar a quantia considerável correspondente ao preço cheio no PlayStation 5, sobretudo porque temos bons exemplos de ótimos descontos em jogos-serviço após o lançamento. O tempo dirá se Godfall vai fazer jus ao seu potencial e unir-se ao panteão de jogos-serviço longevos como Destiny ou falhar miseravelmente como Anthem.
Godfall foi desenvolvido pela Counterplay Games e publicado pela Gearbox Publishing em novembro/2020 e está disponível para PlayStation 5 e PC.
A análise do jogo foi feita com base em uma cópia digital de PlayStation 5 gentilmente fornecida pelo nosso amigo ShamamGames.
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