Análise Curse of the Dead Gods (PS4)
Curse of the Dead Gods é um rogue-lite excelente, muito bem construído e viciante. E também um dos jogos mais desafiadores desse ano.
Só mais uma jogada!
A cada templo concluído ou, principalmente, a cada área que não conseguia avançar em Curse of the Dead Gods, esse era o meu pensamento. Só mais uma dungeon. Assim, uma nova tentativa virava duas, que logo se transformava em três, e o que era para ser uma jogada rápida se estendia por horas e horas e horas.
O jogo é tão viciante (e excelente) que hoje, escrevendo esse review, já passei de 60 horas nele e não me vejo parando tão cedo. Uma mistura de frustração, raiva, alívio e satisfação porque mesmo na derrota eu aprendia alguma coisa que me faria jogar melhor o próximo cenário desse labirinto amaldiçoado.
Curse of the Dead Gods é um rogue-lite bem desafiador desenvolvido pela Passtech Games e publicado pela Focus Home Entertainment. O jogo foi lançado em 23 de fevereiro de 2021 e está disponível para PlayStation 4, Xbox One, PC e Nintendo Switch, após ter ficado um ano em early access no PC, o que foi fundamental para deixá-lo tão refinado nessa versão final.
Infelizmente, esse polimento ficou concentrado apenas nas mecânicas do game e não se estende para a história, que é praticamente inexistente. A narrativa é apenas um pano de fundo raso para a motivação do seu personagem, o que é uma pena.
Você é um saqueador que ficou preso em um templo Maia e precisa lutar contra suas maldições e armadilhas para sobreviver e, quem sabe, escapar dessa pirâmide infernal. Isso é explicado em uma cutscene inicial sem narração ou diálogos e é, basicamente, toda a história do game.
Eu tenho apenas duas críticas ao jogo e essa superficialidade na história é uma delas.
As mitologias Maia e Asteca são interessantíssimas, e apesar de Curse of the Dead Gods se valer de mitos como El Dorado, rituais de sacrifício de sangue e outros conceitos para criar a sua ambientação, a falta de um fio condutor narrativo que explore e faça a ligação com esses mitos faz falta, ainda mais quando comparado ao excelente trabalho que a Supergiant Games fez com Hades, criando uma história original bem amarrada às lendas gregas.
Normalmente prefiro evitar ao máximo nos meus textos comparações entre jogos. Eu analiso o produto que aquele título é, dentro do que ele se propôs. Mas como neste caso os games são do mesmo gênero, tem câmera e combates similares, a pergunta que fica na cabeça é se este poderia ser um novo Hades, um indie para surpreender a todos nas premiações deste ano, como o jogo da Supergiant fez ano passado.
E não, Curse of the Dead Gods não é um novo Hades, justamente por conta dessa falta de narrativa. Mas em matéria de jogabilidade e mecânicas os dois certamente estão em níveis parecidos de qualidade dentro do gênero.
Luz e sombras
Os elementos clássicos de um rogue-lite estão todos aqui: o jogador se aventura em um mapa proceduralmente gerado, com cada cenário contendo tipos de armas, inimigos e recompensas distintos. Cada nova área é ligeiramente mais desafiadora e o objetivo final é sair vivo do confronto com o Chefe dessa dungeon. Contudo, nem sempre, ou melhor, na maioria das vezes, esse desfecho é positivo, e o seu destino será a morte.
Ao morrer o jogador pode recomeçar ou escolher outra área do zero, perdendo todas as armas, ouro e melhorias conquistadas naquela run, mas conservando os dois tipos de moedas do jogo: Caveiras de Cristal (Alô, Indiana Jones!) e Anéis de Jade. As caveiras são usadas para desbloquear Bençãos e melhorias para o Altar de Armas, enquanto os Anéis podem ser usados para desbloquear armas, que serão disponibilizadas aleatoriamente nos referidos altares antes de cada expedição.
Essas Bençãos funcionam como habilidades passivas que oferecem vantagens que facilitam a vida do jogador, e até três podem ser equipadas antes de entrar em um Templo. A variedade delas é muito boa e facilmente você encontra uma que se encaixará melhor no seu estilo. A gama delas compreende desde habilidades básicas como redução de dano em áreas iluminadas, mais pontos de destreza até perks mais caros (e mais úteis) como o aumento da quantidade de recompensas recebidas ao derrotar um Chefe, por exemplo.
Além das Bençãos, que não podem ser alteradas enquanto o jogador não termina ou morre em um Templo, também é possível equipar até seis Relíquias, que também têm funções passivas similares às Bençãos, com a diferença de que essas só podem ser encontradas e alteradas dentro das dungeons em si, a qualquer momento.
Mesmo dominando todas as nuances do combate o fator determinante para o sucesso ou fracasso de uma expedição reside na combinação e sinergia entre Relíquias, Bençãos e Armas. Pense nelas como sendo as diferentes builds que podem ser feitas dentro de Curse of the Dead Gods.
Por exemplo, uma das minhas armas favoritas foi uma garra envenenada, e por ser uma arma rápida qualquer Benção que favorecesse aumento na velocidade após matar um inimigo era uma ótima combinação inicial, além disso, juntando a isso Relíquias que aumentassem a porcentagem de acerto crítico, dano por veneno ou ainda recuperação de vida a cada crítico, transformavam meu personagem em uma máquina imbatível.
Contudo, por conta da natureza procedural do jogo nem sempre foi possível encontrar exatamente a arma ou atributo que eu gostaria em um determinado momento, mas a variedade é tão boa que testar outras combinações, que poderiam ser tão boas quanto, era super divertido e incentivado.
O combate em si é simples, mas bem desafiador, e com alguns fatores de risco/recompensa que o tornam mais interessante. O jogador equipa simultaneamente 3 armas: uma principal, uma secundária e uma de duas mãos, e cada uma é mapeada em um botão, o que favorece e incentiva o uso de combos que aumentam o dano e quantidade de ouro recebido (a moeda gasta dentro da masmorra).
Mas, isso não significa que você poderá esmagar botão infinitamente. Não, aqui cada golpe precisa ser pensado já que consome um ponto de Resistência (a estamina do jogo). Esse mesmo atributo é usado para desviar dos golpes dos inimigos, o que faz com que o combate seja mais tático, visto que existe um pequeno delay antes de cada ponto ser regenerado.
Uma forma de acelerar esse processo é a utilização de esquivas, parrys ou matar inimigos em sucessão. Esquivas perfeitas e matar inimigos restauram um ponto de Resistência automaticamente, e acertar o momento exato da defesa, além de deixar o inimigo mais fraco a um contra-ataque mais poderoso, faz com que o seu personagem recupere dois pontos dessa estamina. Um ótimo número considerando que você começa um Templo com apenas 5 pontos de Resistência.
Outro fator crucial que é preciso ficar atento é a dinâmica entre luz e sombras. Na escuridão os inimigos demoram mais a notar sua presença, o que pode ser usado como elemento surpresa ou ainda combinado a Relíquias que aumentem seu poder na escuridão. Por outro lado, todo dano recebido é 50% maior comparado à áreas iluminadas. De novo, depende do balanço risco/recompensa que você quer trazer para o seu gameplay. Um mecânica muito interessante e similar a utilizada em West of Dead, outro rogue-lite que tive o prazer de escrever aqui para o Conversa.
Belas maldições
Mesmo com todos esses detalhes, a cereja do bolo, e que torna o combate de Curse of the Dead Gods único, é a sua mecânica de maldições.
“Quem se aventurar a profanar o descanso dos mortos nas pirâmides estará sujeito a terríveis maldições”.
A lenda da maldição da Múmia com certeza é uma grande inspiração para esse mecânica. Existe uma medidor de Corrupção e quando ele é preenchido o personagem recebe uma maldição.
Tudo no templo está contra você: alguns inimigos causam dano que aumenta esse status; a cada porta atravessada o personagem recebe um número X de Corrupção; outras maldições podem aumentar essa Corrupção passivamente, ou mesmo apelar para sacrifícios de sangue (que podem ser realizados para melhorar algum atributo ou arma quando o seu ouro acaba), contribuem para um aumento significativo desse efeito.
A gama de maldições é bastante versátil e algumas podem ser usadas de forma estratégica, por incrível que pareça.
Uma que usei ao meu favor removia o fogo da minha tocha, deixando ela sombria, isso impossibilitava que eu acendesse os braseiros e iluminasse os cenários, mas por outro lado essa maldição combinada à uma Relíquia que aumentava meu dano em 30% na escuridão e a uma arma que também era mais poderosa em áreas pouco iluminadas dobrava ou até triplicava o meu poder de ataque. Risco grande, recompensa ainda maior.
Outras maldições fazem jus ao nome. Perder um ponto de Resistência era terrível para o ritmo do combate, se antes eu poderia dar 4 golpes e desviar, agora eu teria uma pancada a menos no meu combo. Outra maldição colocava um custo em ouro em cada porta, me obrigando a trocar parte da minha vida para fazer a travessia quando já não tinha mais ouro nos bolsos. Ou ainda uma maldição que deixava o mapa obscurecido, não sendo possível assim planejar e saber de antemão o que iria encontrar em um dos caminhos escolhidos.
Cada uma dessas maldições é aleatória, mas a quinta e última é sempre fixa, e será o seu pior inimigo dentro do jogo: a vida é drenada com o tempo até chegar a um ponto, ou seja, qualquer dano recebido é game over na hora. Felizmente a cada Chefe derrotado é possível remover uma dessas maldições, então em dungeons que com mais de um Chefe, enfrentar eles é um alívio.
Curse of the Dead Gods é dividido em 3 Templos, de acordo com a divindade de cada um: Templo do Jaguar, da Águia e da Serpente. Cada um desses têm 3 níveis, como se fossem os degraus da pirâmide, e cada um desses níveis tem um grau de dificuldade e um número de Chefes para serem derrotados. O primeiro nível é composto por uma dungeon simples com várias salas e apenas um Chefe final, já o segundo e terceiro níveis têm, respectivamente, dois e três Chefes. Cada um desses tem dificuldade crescente, sendo o terceiro até injusto em alguns pontos.
Após concluir os nove calabouços o topo da pirâmide é liberado e é possível desafiar o Chefe Final. E se prepare, essa última área é um teste para tudo aprendido até aqui, e também um desafio de paciência tremendo. A boa notícia é que se você gosta de um desafio brutal, o jogo não vai te deixar na mão nesse finalzinho.
Pensa que acabou? Não…
Se você conseguir a façanha de derrotar o Boss final ao invés de uma tela de créditos ou um grande parabéns, o que você receberá serão novas dungeons com o singelo nome: “Expedições Difíceis”. E só posso te dizer uma coisa sobre esses novos desafios: Boa sorte.
Vale a pena?
Curse of the Dead Gods é excepcional.
Adorei o game, a mecânica de combate é ótima, e me deixou viciado ao extremo. Além disso, o jogo tem uma arte lindíssima, que me remeteu muito a Darkest Dungeon, o que é um baita elogio.
Mas lembra que no começo do texto mencionei que ele tinha dois defeitos, a falta de narrativa e um outro? Pois bem, esse outro problema para mim é a curva de dificuldade acentuada demais nessas áreas finais.
Rogue-lites tendem a ser desafiadores, já que a intenção é incentivar a repetição e o aprendizado através do erro e experimentação, mas para isso, além do incentivo de dominar o combate, é preciso também que o jogo te dê as ferramentas necessárias para melhorar.
E o problema de Curse of the Dead Gods é o quanto ele demora para te dar essas condições. Todos os upgrades são muito caros e é preciso repetir várias vezes as mesmas áreas para juntar Caveiras de Cristal e Anéis de Jade suficientes para desbloquear armas, bençãos e altares para começar a fazer excursões melhores. Existem desafios diários que oferecem recompensas melhores e podem diminuir esse grinding, mas eles são do tipo tentativa única e já começam com uma maldição ativa.
A dificuldade em si não é um problema tão grave para quem gosta desse tipo de loop de gameplay, mas entendo, e quis deixar isso claro aqui, já que ele é um jogo que tem um desafio acima da média, e isso pode afastar alguns jogadores que procuram uma experiência mais tranquila.
Contudo, se você é fã de Dead Cells, Hades e Darkest Dungeon, saiba que Curse of the Dead Gods tem tudo para, assim como esses, se tornar referência dentro do gênero e recomendo demais que todos joguem e tirem suas próprias conclusões. O único problema é se você ficar tão viciados como eu.
A análise de Curse of the Dead Gods foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.