Análise Road 96 (Nintendo Switch)
Road 96 carrega novamente a tocha da distopia e apresenta sua própria versão no gênero, dessa vez mais ensolarado e, paradoxalmente, melancólico.
Tropas Estelares (Starship Troopers) é um dos meus filmes preferidos de todos os tempos. A ação é boa, os personagens são carismáticos, contém alienígenas e efeitos especiais práticos que até hoje, mais de 20 anos após o lançamento, ficam bem na tela. Dirigido pelo holandês Paul Verhoeven, o filme usa a embalagem de filme de ação para ilustrar de maneira didática a máquina de propaganda de um regime fascista. O tema não é novo e Verhoeven já havia tocado em outros aspectos de regimes autoritários em obras anteriores como Robocop e O Vingador do Futuro (Total Recall) e, embora não seja o diretor mais sutil de todos, as abordagens escolhidas são bastante interessante para mostrar a complexidade dessa realidade política que habitou a Europa em meados do século passado.
Road 96 é um jogo narrativo que revisita o tema abordado tantas vezes por Verhoeven. Você é um adolescente em rota de fuga do seu próprio pais, em 1996. Petria está prestes a realizar eleições para presidente e o clima de polarização política se faz presente em toda parte. Há rumores de que os jovens são perseguidos e enviados para campos de trabalhos forçados. Nesse ambiente, o governo de Tyrak celebra lembra os 10 anos do ataque terrorista realizado na montanha localizada na fronteira do país, em 1986. Parece não existir outra alternativa senão chegar até à Rodovia 96 e tentar cruzar a fronteira para viver a tão sonhada liberdade.
Menos nem sempre é mais
O gameplay de Road 96 é o mais simples possível. A visão da câmera é em primeira pessoa e interagimos com os objetos e pessoas através da seleção de opções na tela. A movimentação é simples e um pouco desengonçada, sobretudo porque a interface do jogador não é tão bem adaptada para os consoles, exigindo a movimentação de um cursor para a seleção de uma resposta de diálogo, por exemplo. Existem puzzles simples para serem resolvidos e mini-jogos para disputar com outros jogadores, como cobrança de pênaltis e partidas de Pong em máquinas de arcade.
As mecânicas mais interessantes são relacionadas à sobrevivência da personagem durante a jornada. É preciso comer, dormir e ganhar algum dinheiro sempre que possível, pois não sabemos qual é o tipo de desafio que será apresentado no momento de cruzar a fronteira. Cada ação positiva, enche a barra de vida da personagem e, não se engane, a boa saúde será exigida, pois chegar na fronteira sem muita vida é a receita para o fracasso e, nesse aspecto, Road 96 é impiedoso.
Tecnicamente, Road 96 é um jogo agradável. É inevitável comparar com Life Is Strage e, assim como no jogo da DontNod, a fidelidade gráfica fica em segundo plano. Assim, Road 96 aposta no estilo cartunesco e consegue um resultado equilibrado, com destaque para as paisagens e cenários que, aliados à trilha sonora agradável, criam uma atmosfera otimista e paradoxalmente melancólica. Essa ambientação agridoce cria uma atmosfera única que mistura aventura, viagens, responsabilidade política, um pouco de comédia e suspense. Tudo aparenta ser leve, mas está inserido dentro de um contexto tenebroso de um regime totalitário que traz consequências concretas para os eventos do jogo.
Protagonista ou espectador?
Com exceção da câmera em primeira pessoa, eu diria que a apresentação do jogo não é exatamente uma novidade para quem jogou Life Is Strange. Road 96 é um jogo narrativo, então o desenvolvimento da trama acontece, na maior parte do tempo, em um ambiente de calmaria, sem muita ação, onde a escolha de respostas para as perguntas dos outros personagens e interação com objetos é tudo que fazemos. É nesse contexto que conhecemos os personagens dessa jornada: a policial Fanny, a dupla de assaltantes Stan e Mitch, a apresentadora de TV Sonya Sanchez, o caminhoneiro John, o jovem hacker Alex, a adolescente Zoe e o taxista Jarod.
Aqui é interessante notar que a proposta do jogo não é apresentar uma longa campanha em que devemos fugir do país, mas acompanhar vários adolescentes em sua jornada para cruzar a fronteira e a cada nova tentativa, encontrar os mesmos personagens pelo caminho. A cada novo encontro com um personagem, podemos conhecê-los melhor e entender em que momento da vida eles também se encontram, inclusive as conexões existentes entre eles (algumas surpreendentes).
Cuidado: esse jogo contém política
Tudo isso se passa enquanto a eleição do dia 09 de setembro se aproxima. Cada jornada é um passo em direção ao derradeiro momento em que a população de Petria terá a oportunidade de mudar o rumo do país ou manter no poder um regime opressor. Não é outra coisa senão triste observar aspectos tão característicos, até mesmo caricatos, da representação artística de regimes totalitários fazer um eco tão próximo da nossa realidade. Cartazes com as fotos de Tyrak e de sua adversária, a Senadora Florres, dividem o mesmo espaço nas paredes, mas pouca coisa indica que a eleição poderá mudar algo. A televisão é despudoradamente parcial e não hesita em criminalizar e chamar de terrorista o movimento de oposição, chamado de Brigada da Destruição.
No entanto, Road 96 não deixa margem para nuances entre as forças políticas que se apresentam como opção de voto: Tyrak é um déspota e Florres representa uma esperança progressista. O pulo do gato está nos protagonistas dentro desse contexto. O que pode um adolescente fazer contra um regime ditatorial? Não estamos falando de um jogo de guerra em que podemos atirar nos soldados inimigos. Serão as escolhas que farão a diferença entre a liberdade e a opressão, seja pela via do voto, seja pelo instinto de lutar ou fugir. E fugir parece ser a opção da vez.
O brilho de Road 96 surge dessa mistura da leveza da adolescência, representada pela ambientação, com a seriedade das escolhas feitas na vida adulta. C’est la vie.
Road 96 foi desenvolvido e publicado pela DigxArt Entertainment e está disponível para PC e Nintendo Switch.
A análise foi feita com base em uma cópia digital do jogo para Nintendo Switch, gentilmente fornecida pela assessoria de imprensa do jogo.