Análise Marvel’s Guardians of the Galaxy (PS4 e PS5)
Marvel’s Guardians of the Galaxy faz um excelente trabalho de adaptação dos heróis de aluguel mais carismáticos do universo para os videogames.
Quando o filme Guardiões da Galáxia estreou em 2014 eu já não era uma leitor de quadrinhos de super-heróis há uns bons anos. E apesar de ter gostado de quase todos os filmes do Universo Cinemático Marvel que haviam sido lançados na época, assistir Guardiões no cinema foi o que me resgatou a memória nostálgica de como era visitar a banca de jornal da esquina e descobrir um gibi novo que nunca tinha lido.
Os Guardiões não eram um supergrupo tão popular como Vingadores, mas o filme tinha um senso de humor, visuais e trilha sonora únicos que trouxe um frescor à fórmula que a Marvel Studios vinha adotando para seus filmes. E apesar do risco calculado, essa aposta ainda dependeria de como o público receberia essa ópera rock espacial maluca e apoteótica.
A bilheteria, o aumento nas vendas dos quadrinhos e o tom dos filmes seguintes, principalmente os das fases galáticas e místicas, do MCU provaram que a aposta valeu seu peso em ouro. Com o sucesso da Marvel no cinema criaram-se expectativas de que a migração dessas propriedades para os videogames seguisse o mesmo padrão de qualidade e investimento.
Marvel’s Spider-Man da Insomniac provou, em 2018, que isso era possível. Por outro lado, Marvel’s Avengers colocou uma pulga atrás da orelha do público no final de 2020. Concebido como um game as a service, o jogo dos Vingadores e sua campanha híbrida single player e multiplayer, lotado de microtransações e combate considerado repetitivo dividiu opiniões, no mínimo.
Além disso, de acordo com as várias reportagens veiculadas na época, Avengers não foi o sucesso de vendas que a Square Enix esperava inicialmente, o que colocava em dúvida o destino do projeto seguinte da publicadora: Marvel’s Guardians of the Galaxy.
Felizmente, as preocupações de que a Eidos Montréal poderia incorrer nos mesmos erros com um jogo dos Guardiões que a Crystal Dynamics cometeu em Vingadores caíram por terra, pelo menos para mim, já nos primeiros minutos de gameplay. Guardians of the Galaxy é incrivelmente divertido, tem uma história excelente que respeita o material original, mas que cria sua própria identidade, tudo isso embalado por uma trilha sonora espetacular.
Em primeiro lugar, é bom deixar claro que aqui não existe nenhum tipo de microtransação. Todas as vantagens de jogabilidade são conquistadas com recursos encontrados através da exploração dos cenários. Os visuais de cada personagem (que são encontrados em baús escondidos) alteram apenas a parte estética. E os poderes adicionais de cada Guardião são desbloqueados com um sistema de pontos obtidos durante o combate.
O fato de Marvel’s Guardians of the Galaxy ser focado em sua campanha single player quase totalmente linear e com um arco de história fechado também o ajudam a se distanciar do outro jogo de equipe da Marvel.
Durante o título o jogador controla o líder do grupo, Peter Quill, a.k.a. Star-Lord, enquanto os outros personagens do time são controlados através de comandos dados por você para golpes e ações especiais e, indiretamente, pela inteligência artificial para ataques básicos.
Mas fica o conselho, deixar o combate nas mãos da IA é garantia de morte, mesmo contra os inimigos mais básicos. É preciso gerenciar de verdade seus companheiros durante as batalhas para tirar o máximo proveito das habilidades deles e conseguir vencer.
Drax causa pouco dano, mas tem capacidade de atordoar inimigos deixando eles mais susceptíveis ao poder dos outros Guardiões. Já Groot conta com poderes focados em imobilização, o que pode garantir segundos preciosos de descanso em alguns combates mais intensos, além de possuir uma habilidade liberada no terço final do game que permite curar os companheiros. E se os golpes de Gamora causam danos rápidos e concentrados em um único oponente, os ataques de Rocket servem para controle em área, causando estrago em um número maior de inimigos por metro quadrado. Além disso, é possível usar elementos dos cenários durante as lutas, como um local onde Rocket pode plantar uma bomba de proximidade ou um objeto pesado que Drax possa arremessar nos vilões.
Não permitir que o jogador alterne o controle de Peter para os outros Guardiões foi uma das reclamações recorrentes que mais li em fóruns e no twitter desde que o protagonista do título foi anunciado. Contudo, e por conta justamente desse gerenciamento de equipe ser tão importante durante as batalhas, a percepção de que você está no controle apenas de Star-Lord passa muito rápido. Na verdade, o jogador não é apenas um Guardião, ele se torna todos ao mesmo tempo.
Nesse sentido, o combate tem tanto influências de Mass Effect, muito devido à ambientação, como também de Final Fantasy VII Remake, por conta da ação desacelerar enquanto você dá essas ordens, com um leve toque de Devil May Cry, visto que quanto mais combos conseguir emendar maior serão os elogios recebidos ao final das lutas. Esses elogios funcionam através de uma classificação de estilo que é traduzida por uma barra de experiência que quando cheia concede pontos de habilidade para comprar os ataques especiais de cada um.
Cada Guardião tem 3 habilidades especiais e 1 mega-habilidade (desbloqueada automaticamente durante a história) e, como elas tem um tempo de descanso entre os usos, é importante mesmo durante os combates mais caóticos planejar a execução de cada uma para não depender unicamente dos blasters de Peter Quill para causar dano enquanto espera o recarregamento de um dos poderes.
Por exemplo, um dos meus combos preferidos consistia em usar a habilidade de imobilização do Groot para parar os inimigos e emendar com um atordoamento do Drax, dessa forma, com os inimigos enfraquecidos o dano dos foguetes de Rocket seria potencializado. E se algum alvo maior ainda estivesse vivo depois desse combo, eu ainda tinha o ataque da Gamora na manga para fazer picadinho deles. Todo esse gerenciamento da equipe feito enquanto dava suporte com meus próprios especiais, tiros simples e elementais.
Esse sistema de combos além de trabalhar para o aumento da pontuação de estilo mencionada anteriormente também preenche uma barra de especial, que quando ativada permite que Star-Lord tenha a chance de fazer um discurso motivacional para seus companheiros. Isso mesmo, você não leu errado.
Nesses momentos os combates param e você tem uma chance de encorajar o grupo. Escolha a opção de diálogo correta e todos causam o dobro de dano e os cooldowns das habilidades passam a quase não existir durante a duração do efeito. Escolha as palavras erradas e só você será energizado com esse frenesi de combate. Se tudo der certo uma música da playlist de Peter substitui a trilha orquestrada de combate. É inexplicavelmente satisfatório moer na pancada tanto inimigos comuns como os Chefes mais poderosos ao som de Don’t Worry Be Happy de Bobby McFerrin.
E por falar em trilha sonora, não seria um produto com o selo Guardians of the Galaxy sem uma trilha matadora. E nesse caso não é apenas uma, mas três trilhas distintas. Uma é constituída pela banda orquestrada composta para o game. A outra trilha é composta pelas músicas licenciadas, como a mencionada acima, com o melhor do pop e rock dos anos 80, que vão desde Billy Idol até Iron Maiden, e que além de tocarem nesses momentos especiais durante o combate, ou em cutscenes específicas também podem ser escolhidas e ouvidas nos momentos de descanso entre as fases a bordo da Milano, sua nave.
Já a terceira trilha se trata de um álbum conceitual completo da banda Star-Lord. Um detalhe curioso desse grupo e que além de se tratar de uma banda fictícia dos anos 80, o frontman dela é o diretor de áudio sênior da Eidos Montréal, Steve Szczepkowski, que além de trabalhar com videogames é metaleiro nas horas vagas.
Essa trilha original poderá ser adquirida separadamente ou como bônus da edição deluxe e se você gosta de heavy metal existe a possibilidade de curtir muito o som de uma banda que não existe de verdade, mas que já tem um disco com 10 músicas. Vou deixar aqui o clipe oficial da música Zero to Hero para quem quiser conferir o som e a estética da Star-Lord.
Na narrativa do game a banda era a favorita na pré-adolescência de Peter na Terra e é por ter uma jaqueta do grupo que ele ganha o apelido com o qual fica conhecido. Essa origem difere do conhecido pelos fãs dos quadrinhos ou mesmo por quem conheceu o quinteto nos filmes. E já que falei de mudanças, esse é um ponto importante para se mencionar.
A história de Marvel’s Guardians of the Galaxy é profundamente respeitosa com a temática central dos Guardiões, seja relativo a personalidade dos heróis que você conheceu nos filmes ou em relação aos personagens secundários que só apareceram nas HQ’s. No jogo você visitará locais e encontrará vários NPCs conhecidos, em maior ou menor grau pelos fãs, como Lady Hellbender, Tropa Nova, Cosmo e Mantis, além de outras surpresas que não vou entregar aqui, claro.
Contudo, alguns detalhes foram modificados para fazer sentido dentro da proposta da Eidos. O que mais passou por alterações significativas foi o visual dos personagens principais, especialmente para quem só os conhece através dos filmes ou é apegado a um visual muito específico das HQ’s. Para tentar contornar isso é possível encontrar e equipar vários trajes de diferentes fases dos quadrinhos ou do primeiro filme, inclusive.
Também é importante ter em mente que a narrativa do game é original e apesar de não ser uma história sobre a origem dos Guardiões, ela se passa bem no início da formação da equipe, então as relações ainda estão sendo construídas e a liderança de Peter ainda não está solidificada. Isso cria momentos e situações memoráveis com diálogos incríveis, principalmente nas disputas com Rocket ou nas discussões literais com Drax. E embora a tônica geral seja o humor existe espaço para momentos emocionantes em alguns trechos.
Em alguns momentos são oferecidas escolhas opções de diálogos ou decisões e embora algumas tenham impacto apenas em como os outros personagens irão reagir a você, outras oferecem mudanças significativas que alteram trechos inteiros de jogabilidade. Por exemplo, uma das decisões envolve escolher usar Rocket ou Groot como iscas em uma missão e como a missão se desenrolará depende dessa escolha. Na primeira jogada escolhi Groot como isca e na segunda Rocky, e fiquei surpreso em como isso mudou não só os diálogos, como também os locais pelos quais passei e resultado final da missão.
Marvel’s Guardians of the Galaxy não é um jogo difícil no sentido clássico da palavra, mas é possível ajustar de forma fina a dificuldade para que você se sinta mais confortável com a experiência.
Além das opções básicas de fácil, médio e difícil existem regulagens para o dano sofrido e causado, custo dos disparos elementais, tempo de desaceleração do modo guardiões, frequência do sistema de dicas e muito mais.
Vale a pena dizer que o game está totalmente dublado em português do Brasil. E embora na minha opinião a dublagem original em inglês seja melhor, quem não gosta de acompanhar legendas ou não tem domínio da língua inglesa tem aqui a opção da dublagem nacional.
Isso torna o jogo acessível para todos e é um elemento muito importante em um título em que você passa boa parte do tempo conversando com sua equipe ou tomando decisões importantes.
No início de cada capítulo o jogador tem a oportunidade de falar com seus companheiros a bordo da Milano (bem ao estilo Mass Effect) e desenvolver as relações interpessoais, conhecer mais da personalidade de todos, escutar suas histórias, interagir com colecionáveis encontrados ao longo do caminho e ler as anotações de Peter no seu diário de bordo (fantásticas, vale a pena ler).
Esses momentos de calmaria para mim foram os mais importantes justamente pela chance de aprofundar a conexão entre os Guardiões e se você quiser aproveitar a experiência dessa narrativa por completo recomendo não neglicenciar essas interações e tratar ele só como um jogo de ação. Não corra com a história e aproveite cada minuto dela.
Depois de ter terminado a história duas vezes, saio com o sentimento de que considerando os dois filmes lançados, o jogo da Telltale e alguns quadrinhos especiais que li depois de conhecer os Guardiões no cinema, talvez Marvel’s Guardians of the Galaxy seja um dos melhores capítulos até agora do time de heróis de aluguel mais descolados da galáxia.
A análise de Marvel’s Guardians of the Galaxy foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para Nintendo Switch (através do streaming em nuvem), Microsoft Windows, Xbox One, Xbox Series S e X.