Análise The Dark Pictures Anthology: House of Ashes (PS4 e PS5)

House of Ashes é o melhor jogo da The Dark Pictures Anthology até agora, contudo sofre com problemas de performance constantes.

Review The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Quando a Supermassive Games anunciou, depois do sucesso de crítica e de público de Until Dawn, que lançaria uma série de jogos anuais de horror com estrutura narrativa e jogabilidade similares ao seu maior acerto, eu vesti meu uniforme de torcedor na mesma hora.

Como fã de histórias macabras, filmes B de terror e assíduo leitor de livros de mistério, eu queria muito que a The Dark Pictures Anthology desse certo e que seus jogos fossem ainda melhores que o próprio Until Dawn. E, se meu primeiro desejo se torna mais real a cada lançamento, o segundo ainda não se concretizou ainda, mesmo que esteja mais próximo a cada melhoria implementada.

House of Ashes é o terceiro jogo dessa antologia que promete entregar oito títulos até o seu encerramento, e tenho a satisfação de ter escrito sobre os dois primeiros “episódios” aqui para o Conversa. Se quiser, você pode ler minha análise de Man of Medan e meu review de Little Hope clicando em seus nomes.

Rachel The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Contudo, justamente por esses títulos fazerem parte de uma antologia, não é preciso ter jogado ou conhecer os anteriores para aproveitar House of Ashes. Diferente de uma série de jogos numerados em que você perde muito em matéria de história, relacionamentos e alianças se não tiver jogado as entradas anteriores, em Dark Pictures cada história é um arco fechado. Obviamente, veteranos se sentirão em casa por entender como as coisas funcionam. Uma vantagem nessa corrida de vida ou morte quase certa.

De certa forma, a série de jogos publicados pela Bandai Namco Entertainment é o que mais se aproxima, dentro dos videogames, do que foi feito na televisão com o incríveis Além da Imaginação, Elvira’s Movie Macabre e Contos da Cripta. Inclusive, a estrutura dos games é muito similar à desses programas, e, com certeza, eles serviram de inspiração para o pessoal da Supermassive.

E se que o que ligava os episódios e filmes desses programas eram seus apresentadores, Rod Serling, Elvira, A Rainha das Trevas e o Guardião da Cripta, em Dark Pictures o responsável por esse elo é o Curador de Histórias.

Curador The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

O papel do Curador, e como ele apresenta as histórias com as quais você interage, ainda são um mistério. E, particularmente, acho interessantíssimo tentar ligar os pontos para descobrir sua real natureza. Talvez ele seja só um apresentador de um programa de TV, como os citados acima, ou será que ele é algo mais?

Muitas vezes ele soa como uma entidade sobrenatural e, em outras me lembra até mesmo o próprio demônio pela forma como ele passa de um agente neutro para um que tenta influenciar suas decisões. Seus conselhos trabalham muito mais na intenção de direcionar a narrativa, do que para ajudar o jogador. Fica o aviso.

O Repositório de Histórias, a biblioteca do Curador, é onde ficam guardados os livros parcialmente escritos, que nada mais são do que a história que o jogador vivenciará, e o seu papel é escrever o que falta dessas narrativas com suas decisões, determinando assim o destino dos personagens.

Fuzileiros Militares no Templo

E decisão é a palavra de ordem em House of Ashes e, assim como nos jogos anteriores, algumas escolhas influenciarão nas diversas ramificações de gameplay do título. Durante diálogos específicos existem três opções de reação: uma seria mais racional, e é representada por um símbolo de um cérebro; outra mais emotiva, simbolizada por um coração ou mesmo a opção de não reagir.

Não existem garantias ou respostas certas e algumas escolhas podem alterar trechos inteiros de gameplay. É preciso analisar o contexto no momento antes de cada escolha. Isso significa que relações serão construídas ou destruídas dependendo da postura adotada, e consequências dos seus atos determinarão se todos os personagens chegarão ao final ilesos, quem irá morrer, ou até mesmo se alguém vai conseguir escapar desse inferno.

Além da influencia dessas decisões, outra dinâmica de jogabilidade determinante para o sucesso ou fracasso no jogo é a atenção ao quick time events que acontecem em diversos momentos. É importante estar atento a essa mecânica porque poucos erros em sequência significam a transformação de um personagem querido em uma poça de sangue em um piscar de olhos.

Quick time events The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Felizmente, desde Little Hope um sinal gráfico aparece na tela um pouco antes do QTE de fato acontecer, o que já prepara o jogador para a ação. Além disso, existem opções de acessibilidade para aqueles que querem apenas curtir a história, personalizando assim o nível de dificuldade adequado para elas. Para os mais exigentes, e que não querem nenhum desses facilitadores, existe ainda a opção de deixar tudo mais brutal, diminuindo os tempos de reação e velocidade dos QTE’s.

E apesar da jogabilidade praticamente ter sido mantida intacta desde o primeiro jogo, House of Ashes tenta tornar seu “combate” mais dinâmico, com direito a mais elementos de ação do que os anteriores por conta da sua ambientação militar.

O jogo se passa no início da Guerra do Iraque quando o governo americano, alegando que o ditador Saddam Hussein estaria produzindo armas químicas e de destruição em massa, invadiu a região.

Jason e Nick perdidos no templo

Esse é um dos conflitos modernos mais polêmicos até hoje, porque apesar do governo iraquiano ser um barril de pólvora e Saddam um sociopata, a motivação do governo americano era claramente um disfarce. George W. Bush não estava atrás de armas químicas, que aliás nunca foram encontras, o que ele queria estava abaixo do nível do solo: petróleo.

Apesar da temática sensível, a desenvolvedora provou com os títulos anteriores que é especialista em misturar História com lendas e mitos para construir suas narrativas, e na minha opinião, ela acertou de novo. Man of Medan, por exemplo, é baseado na lenda do navio fantasma SS Ourang Medan, com toques da superstição que envolve o Triângulo das Bermudas. Já Little Hope é um pouco mais realista por ser inspirado pelos Julgamentos das Bruxas em Salém, ocorridos no final do século XVII.

E se House of Ashes usa o contexto da Guerra do Iraque para situar os personagens em um momento histórico, o componente sobrenatural fica a cargo do mito sumério da queda do reino de Acádia.

Cabo Merwin The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Historicamente, o império acadiano foi a primeira grande nação da Mesopotâmia, e uma das maiores do mundo antigo, responsável por unir sumérios e acádios sob um mesmo regime. O império alcançou sua maior expansão territorial durante o reinado do seu terceiro governante Narã-Sim, contudo também foi em seu governo que a queda de Acádia aconteceu.

E é durante o que seria a batalha final contra os Gútios que o jogo começa e onde História e lenda se confundem.

As invasões gútias aconteceram e eles conseguiram realmente tomar a cidade de Acádia. Contudo, segundo mitos e poemas encontrados por arqueólogos, a força dos exércitos invasores teria sido potencializada pela fúria de Enlil, deus sumério do ar, das tempestades e que se tornou inimigo de Narã-Sim após o rei saquear o templo de Ekur, onde Enlil era adorado na cidade de Nipur.

Além do saque ao templo, Narã-Sim havia se auto-proclamado deus vivo, com títulos imponentes como Deus de Acádia, Rei dos Quatro Cantos ou ainda Rei do Universo, o que teria aumentado ainda mais a fúria das divindades Anunáqui. Para colocar em perspectiva o tamanho do poder que era atribuído a Enlil dentro da religião suméria, ele seria o equivalente ao que Odin era para os nórdicos, ou ao que Zeus era para os gregos.

Narã-Sim

Por conta do insulto do Rei-Deus, pragas, pestes, fome e invasões gradualmente minavam o força de Acádia. Para tentar reverter a situação, Narã-Sim teria construído o maior templo da região e realizado inúmeros sacrifícios, como um pedido de desculpa aos deuses. Mas já era tarde demais, o destino estava selado. Esse monumento seria apagado da história e permaneceria soterrado até que um derramamento de sangue proveniente do conflito americano e iraquiano despertasse uma força adormecida há quase quatro mil anos.

Esse poder maligno provocou um terremoto que abriu crateras no solo e engoliu todos os protagonistas do game, que agora estão separados e perdidos nas ruínas do antigo templo, onde esse mal ancestral está novamente em busca de sangue.

Um dos pontos mais interessantes aqui é que o jogador tem a oportunidade de jogar com os dois lados do conflito e até unir forças quando necessário. E apesar dos fuzileiros americanos terem “mais tempo de tela” e estarem em maior número, o soldado iraquiano Salim com seus dilemas morais, com certeza, é o melhor personagem disparado. Não vou dar mais detalhes do porquê acho isso para não estragar sua experiência. Esse não é meu objetivo.

Salim The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Além do contexto histórico e mitológico, House of Ashes também é muito influenciado tanto por filmes como Abismo do Medo, como pelo livro Nas Montanhas da Loucura, de H. P. Lovecraft para compor sua narrativa e, sem sombra de dúvidas, ele é o melhor jogo da antologia até aqui em matéria de história e desenvolvimento de personagens. Ele é também o título com menos jump scares da franquia e muito do horror presente nos anteriores cede espaço para um sentimento de tensão constante.

É bom deixar claro que nenhum game da The Dark Pictures é assustador, mesmo que você jogue sozinho com luz apagada e fone de ouvido. Contudo, se mesmo assim você preferir ter mais uma pessoa com você durante a aventura, é possível convidar um amigo para jogar online o modo História Compartilhada.

Já o modo Sessão de Cinema permite um co-op local para até cinco jogadores no tradicional esquema “passa o controle que agora é a minha vez”. Isso, de certa forma, faz com que os jogos da franquia sejam uma espécie de party games menos convencionais, mas igualmente divertidos.

Decisões em The Dark Pictures Anthology: House of Ashes

Contudo, apesar de toda a qualidade narrativa, valor replay enorme, melhorias gráficas, aumento na qualidade da iluminação, aprimoramento no controle de câmera e dos personagens, House of Ashes não é isento de defeitos.

Aliás, dentre os três lançados, foi nele que notei as maiores quedas de frames e pequenos travamentos constantes, o chamado stuttering, sobretudo durante as transições de cena, mesmo no PlayStation 5. Isso pode ser corrigido através de atualizações, como aconteceu com os anteriores, mas no momento da publicação desse review esses problemas ainda existem. Eles não quebram o game, mas incomodam.

A câmera agora pode ser controlada livremente ao invés de trabalhar com ângulos fixos. Por um lado, isso permite que a exploração de cenários maiores seja mais dinâmica, o que torna mais fácil encontrar segredos e premonições, que são visões de possíveis acontecimentos futuros aos quais é preciso estar atento para evitar. Por outro lado, em espaços menores esse tipo de câmera “cola” no jogador, e o que antes era um facilitador se torna um limitante.

Salim perdido no templo

Contudo, a Supermassive Games está sempre atenta às reclamações dos jogadores e a cada nova entrada da série, são implementadas alterações visando a melhoria do próximo título. Um ponto extremamente positivo e que nem sempre pode ser dito sobre outras empresas.

E, como adorei House of Ashes estou bem curioso com a direção que eles darão para o quarto jogo, The Devil in Me, que pelo trailer parece seguir uma abordagem menos sobrenatural, com grande inspiração em Jogos Mortais. E apesar de não existirem ainda muitas informações sobre esse próximo game, uma coisa eu já sei. Eu quero.

Rachel House of Ashes

A análise de The Dark Pictures Anthology: House of Ashes foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para Microsoft Windows, Xbox One, Xbox Series S e X.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.