Análise Death’s Door (PS4 e PS5)
Com combate desafiador, humor sarcástico e reflexões sobre vida e morte, Death’s Door é um dos melhores indies de 2021.
Lançado para a família de consoles Xbox e computadores em julho deste ano, Death’s Door finalmente fez sua estréia no PlayStation 4, PlayStation 5 e Nintendo Switch no finalzinho de novembro. E, mesmo que a espera tenha sido mais curta do que normalmente é para exclusivos temporários, eu mal podia esperar para colocar minhas mãos no jogo.
E após terminá-lo, posso afirmar que quase todas as minhas expectativas foram atendidas.
De modo geral, Death’s Door não faz nada realmente inédito, mas a forma simples e eficiente com que ele combina suas inspirações, e o tempero próprio que a Acid Nerve trouxe para o game, distanciam ele de uma das dezenas de clones de Zelda que são lançados todos os anos.
Majoritariamente influenciado pela exploração baseada em resolução de quebra-cabeças e backtracking que os jogos da série Zelda ajudaram a popularizar, e com pitadas do combate cadenciado característico de um souls-like, Death’s Door é uma evolução, em todos os sentidos, do que o estúdio fez em seu jogo anterior, Titan Souls. E, acima de tudo, um game divertidíssimo e mais acessível, no quesito dificuldade, que seu título de estreia.
Não me entenda mal, Death’s Door também é desafiador, principalmente no seu trecho final, mas não é tão impiedoso como Titan Souls. Nem de perto. É preciso estudar o padrão de ataque dos inimigos, principalmente dos chefes e mini-chefes, e entender a melhor hora para atacar e o melhor momento para fugir dos golpes, ou a morte será uma companheira constante.
Aliás, a morte é mais do que uma companheira, ela é o elemento central da história.
O seu personagem é um corvo que trabalha para o Comitê dos Ceifadores, uma espécie de departamento burocrático cuja função é coletar as almas de indivíduos que não estão dispostos a deixar esse mundo de bom grado, e garantir que essas almas cruzem as portas da morte em direção ao além vida. Basicamente, você é um funcionário terceirizado que faz o trabalho da Morte, e falhar não é uma opção.
E é já na primeira missão que os problemas do nosso corvinho começam. Após ter vencido a luta e coletado a alma da criatura que se recusava a morrer, nosso herói é nocauteado e a alma em questão roubada e enviada para uma porta diferente da designada. Um problemão para nosso pequeno amiguinho, já que agora para recuperá-la será necessário coletar três almas gigantes para reabrir essa porta.
Para superar os desafios o seu personagem conta, inicialmente, com uma espada curta e um arco e flecha. A espada é utilizada para os combates corpo a corpo e o arco cobre distâncias mais longas e seguras, contudo, mesclar desses dois estilos de combate é vital. Diferente de Titan Souls, em que era preciso recuperar as flechas após cada disparo, aqui uma unidade da barra de ataque à distância é utilizada a cada uso do arco, e para recuperá-la é preciso se valer dos ataques com a espada ou equivalente. Cada acerto com a espada recupera uma barra.
Isso cria uma dinâmica interessante porque força o jogador a não ficar exclusivamente na defensiva, já que no começo você conta apenas com quatro unidades dessa barra, e, dificilmente vai conseguir eliminar inimigos mais fortes, ou em grande número, apenas com ataques a distância. Às vezes é preciso arriscar para ter a recompensa.
Outra mecânica baseada em risco e recompensa super interessante é como sistema de cura funciona. O jogador precisa encontrar uma semente, um vaso para cultivá-la e apenas nesse local é possível se curar. Isso cria um fator de tensão muito excitante, principalmente nas lutas contra chefes, já que o seu personagem não consegue se curar durante o combate, apenas antes ou depois dele.
Além disso, quando ainda não encontrou sementes suficientes ou está em uma área nova em que não conhece os locais ou as distâncias entre esses vasos, escolher quando e onde plantar pode ser a diferença entre a vida e a morte, o que significa a também a diferença entre repetir um trecho curto ou longo.
E se a espada curta não atender suas exigências, outras armas podem ser encontradas, como um par de adagas, que com seus combos mais rápidos são ideais para recuperar a barra de ataques a distância rapidamente; um martelo e uma espada longa que apesar de serem mais lentas, golpeiam com mais potência; além de um guarda-chuvas, que serve como um desafio extra já que é a arma que causa menos dano (aviso aos trophy hunters: existe um troféu atrelado a terminar o jogo só usando ele como arma melee). Contudo, exceto pelas adagas, senti que a diferença entre as armas não foi tão significativa para justificar a alternância entre elas.
Assim como a maioria dos jogos do gênero explorar bem os cenários é extremamente necessário. É através da exploração minuciosa que o jogador vai descobrir, muitas vezes escondidos atrás de quebra-cabeças, altares que aumentam a barra de vida e mágica, além de locais onde ao completar arenas de combate novos tipos de ataques mágicos a distância são desbloqueados, como uma bola de fogo que causa dano ao longo do tempo, uma bomba que explode estruturas e é bastante eficiente contra armaduras pesadas e um gancho, que te dá uma mobilidade maior.
Esses novos golpes são mais poderosos que o arco e flecha básico, e servem como elementos necessários para acessar determinadas áreas ou resolver alguns dos puzzles do jogo.
Também é possível melhorar atributos do seu personagem como Força, Destreza, Velocidade e Magia, com os fragmentos de almas de inimigos comuns. Mas, a impressão que fiquei foi a de que o aumento no dano causado pelo meu personagem, mesmo com algumas dessas melhorias no máximo, não era tão significativo como deveria ser. Mas como esses fragmentos eram um tipo de recurso que não servia para mais nada, não custava gastá-lo.
Explorar Death’s Door é muito natural e recompensador.
Descobrir atalhos que interconectam os cenários, encontrar segredos e cruzar o caminho de NPC’s, cujas histórias e mensagens são formidáveis, é muito satisfatório e dão um charme a mais ao game, além, claro, de conseguir as melhorias citadas acima, que facilitarão muito sua jornada.
Falando em NPC’s, além deles roubarem a cena em diversos momentos, quero destacar o excelente trabalho de localização para português do Brasil feito pelos tradutores. Um personagem que no inglês se chama Pothead, por ter sua cabeça transformada em um caldeirão pela Bruxa da Urnas, em português foi adaptado para Boncaldo, ou o caso de outro sujeito muito importante para a história chamado Steadhone the Gravedigger, que em português foi transformado em Epitáfio, o Coveiro. Detalhes que fazem uma enorme diferença.
Os gráficos cartunescos e a trilha sonora são pontos que também valem ser destacados, e mesmo se tratando de um jogo cuja temática é a morte, ou o quanto as pessoas estão dispostas a sacrificar para se agarrar à vida, o sentimento de paz e serenidade que as músicas e a arte conseguiram trazer, me impressionou.
Mesmo não sendo exatamente um souls-like tradicional, em um sentido mais estrito do termo, dificilmente um game que envolva um combate metódico e desafiador poderia ser classificado como relaxante, mas durante boa parte da minha aventura, Death’s Door conseguiu equilibrar um desafio justo a momentos de pura tranquilidade e, de certa forma, reflexão. Não vou entrar em detalhes sobre o que quero dizer com isso, você vai precisar jogar para entender.
P.S.: A história não acaba quando termina. O game se passa durante o dia, mas existe um pós-game fantástico em que é possível avançar o tempo para o período noturno. Muitos segredos, áreas, batalhas e recompensas só são revelados durante a noite, além das missões de alguns NPC’s só terminarem nessa espécie de epílogo e culminarem em um final secreto, que na minha cabeça é o final verdadeiro do corvinho.
Vale muito a pena. Pode me agradecer depois.
A análise de Death’s Door foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela Devolver Digital.