Análise The Quarry (PS5)
The Quarry é uma carta de amor aos filmes de terror dos anos 80 e 90, mas a fórmula narrativa da Supermassive evoluiu pouco desde Until Dawn.
Quando a Supermassive Games anunciou — depois do sucesso de crítica e de público de Until Dawn — que criaria uma série de jogos anuais de horror, com histórias e jogabilidade similares a seu maior acerto, eu vesti meu uniforme de torcedor na hora.
Como fã de filmes de terror, principalmente filmes B, eu queria muito que a Dark Pictures Anthology fosse um sucesso e que os jogos fossem tão bons quanto, ou melhores, que o próprio Until Dawn. Mas, infelizmente, meu desejo não foi alcançado nesses três primeiros games.
Apesar dos títulos da antologia melhorarem a cada novo lançamento, a franquia é composta por produções com orçamentos mais enxutos. E, embora isso se reflita no preço final ao consumidor, as comparações são inevitáveis, e pelo menos no curto prazo pareceu que nada arranharia o posto de Until Dawn como melhor jogo da empresa.
Essa situação pareceu que seria a norma ainda por um bom tempo até que em março de 2022 a desenvolvedora revelou ao mundo The Quarry. Já no primeiro trailer, ele se transformou em um dos jogos mais desejados por mim deste ano, e tudo mostrado desde o anúncio me levaram a crer que ele poderia substituir Until Dawn na preferencia dos fãs.
Mas será que ele conseguiu?
A resposta para essa pergunta é mais complexa que um simples sim ou não, e tem muitas variáveis envolvidas. Em termos visuais e de jogabilidade, The Quarry aproveita toda a experiência adquirida em Until Dawn e na antologia Dark Pictures para entregar uma experiência mais fluída e natural.
O jogo é lindíssimo, a captura de movimento aliado à direção de arte, influenciada pelo chiaroscuro de Caravaggio, somado a câmera implementada em House of Ashes para as sessões de exploração são um verdadeiro espetáculo.
Entretanto, a história — apesar de interessante, cheias de referências a filmes clássicos de horror, e com diversas reviravoltas — falha em deixar o jogador na beirada da cadeira como Until Dawn conseguia, lá em 2015.
E, para um game cujo foco é a narrativa e não a jogabilidade, a importância desse ponto acaba pesando mais que todos os outros.
The Quarry é um jogo narrativo de terror adolescente, e nele acompanharemos o último dia de trabalho dos nove conselheiros do acampamento de verão da Pedreira Hackett. Esses adolescentes terão suas vidas colocadas em risco quando uma noite que era para ser de festa e despedida se transforma em um inferno de medo e horror, cujo desfecho dependerá das relações construídas, decisões tomadas e, claro, preferência do jogador.
O game foi lançado em 10 de junho de 2022 com edições digitais e físicas para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One, e PC através da loja da Steam. Vale ressaltar que The Quarry está totalmente localizado com legendas e dublagem em português do Brasil, o que garante que ele seja acessível a todos os públicos.
Talvez nem tão acessível assim por conta do preço dele em terras tupiniquins… mas, voltaremos a esse ponto depois.
Entre as versões digitais o jogador pode escolher entre a Edição Standard e a Edição Deluxe.
Adquirir qualquer uma das duas garante acesso ao Pacote de Filtros Visuais História de Terror com três filtros cinematográficos que replicam estilos como: terror independente (granulado no estilo 8mm), terror dos anos 80 (estética retrô de fitas VHS) e terror clássico (preto e branco).
E, apesar de legais, o único filtro que realmente dá a The Quarry um diferencial é o modo preto e branco.
Já como conteúdo exclusivo da Edição Deluxe, os jogadores ganham acesso imediato a função Rebobinar Morte, uma mecânica que permite que você refaça até três escolhas que possam ter levado algum personagem à morte.
Essa é uma mecânica nova introduzida nos jogos da desenvolvedora, e que me deixou bem dividido. Por um lado, é bastante tentador poder desfazer algum erro bobo e manter um dos conselheiros vivos por mais tempo, e mesmo que esse sistema seja limitado a “3 vidas”, por outro ponto de vista, usá-lo tira um pouco a tensão e o peso dos seus erros.
“— Então é só desativar essa opção e não usar o Rebobinar Morte em momento algum.”
Só que é mais fácil falar do que fazer. Como mencionado, é tentador querer proteger seus personagens preferidos, principalmente quando eles morrem horrivelmente por conta de uma decisão ou de um botão pressionado na hora errada. Nesses casos a máxima: “se está no jogo é para usar” serve como desculpa perfeita, mas que pode ferir a experiência final.
Outro ponto que me faz ter restrição a esse sistema é o quanto ele flerta com mecânicas pay to win e play to win.
Como a função vem desbloqueada na versão Deluxe ela se enquadra em um modelo pay to win (pague para ganhar), já que comprando a opção mais cara o jogador tem acesso a uma mecânica vantajosa, que só será liberada quando quem não tiver pago a mais terminar a história a primeira vez (10 horas depois), e que será útil apenas para quem quiser jogar de novo, caracterizando o play to win (jogue para vencer).
E, embora ache os sistemas que recompensam o jogador por terminar o jogo sejam ótimos incentivos, quando eles são acompanhados por mecânicas pay to win eu começo a ver problemas neles, e acho um caminho perigoso que espero que não sirva de modelo para os próximos jogos da desenvolvedora.
Entretanto, The Quarry não é um jogo difícil e usar essa mecânica não é essencial.
Os quick time events foram simplificados para o uso de um botão único (o analógico em diferentes direções) e sessões como o controle de batimentos cardíacos — que foram responsáveis por quase todas as mortes dos meus personagens na Dark Pictures (risos) — foi substituída por um mecânica de segurar um botão para prender a respiração. Tudo isso apresentado em tutoriais maravilhosamente animados como vídeos de instrução de acampamento.
Além disso, o título conta com dificuldades ajustáveis para todos esses elementos de jogabilidade e opções de acessibilidade, como um modo para daltônicos, o que permite que jogadores com qualquer nível de habilidade ou com alguma limitação usufruam o horror que o game promete.
Quer tomar decisões sem precisar se preocupar com tempo de reação, ativar assistência de mira ou desativar totalmente os quick time events? É possível modificar tudo isso.
E, para quem preferir assistir ao invés de jogar, o Modo Filme permite que você aproveite o game como uma verdadeira película de terror. Dentro dele é possível escolher entre 3 variações: Todos Vivem, Todos Morrem, e Cadeira do Diretor. Esse último permite definir previamente traços de personalidade de cada conselheiro e montar o seu “filme” baseado nisso.
Esse é um modo que mira na acessibilidade, mas que também acerta em pessoas que não tem interesse ou habilidade com videogames, e que gostam desse tipo de narrativa de horror e mistério.
Assim como nos jogos da Dark Pictures Anthology, em The Quarry existem dois modos multiplayer: um co-op local para até 7 pessoas onde cada um escolhe um ou mais personagens (dependendo do número de pessoas) e joga no esquema “passando o controle”, e um modo online para dois jogadores.
Um detalhe importante é que o multiplayer online só funcionará para jogadores que estejam jogando em consoles de uma mesma geração. Se você tiver um PS4 ou Xbox One só poderá jogar com donos desses consoles. PS4 joga com PS4, Xbox Series joga com Xbox Series, e assim por diante. E, apesar do game ter sido lançado em junho, esse multiplayer online será lançado através de atualização apenas no dia 8 de julho.
Como a Supermassive Games tem se especializado em prestar homenagens ao diversos gêneros de filmes de terror ao longo dos seus jogos, espere várias referências em The Quarry. E para amantes desse tipo de filme, como eu, esse é o grande diferencial dos games recentes do estúdio.
Já no começo, após um acidente de carro, um dos personagens encontra uma carta no porta-malas informando que um deles não foi aceito na Universidade Landis. Essa é uma referência direta a John Landis, renomado cineasta americano, que dirigiu um dos meus filmes de terror preferidos de todos os tempos, e que tem uma ligação especial com o game.
As tomadas em que a câmera “voa” pela floresta são claramente influenciadas pela shaky cam de Sam Raimi em Evil Dead, e os filmes da franquia ainda são referenciados mais algumas vezes ao longo do jogo, sejam em menções diretas ou até uma cena dedicada a um dos momentos mais épicos do segundo filme.
Além disso, os atores escolhidos para capturas de movimentos e dublagem original de The Quarry mostram o carinho e reverência que a empresa tem para com o horror.
O elenco conta com nomes conhecidos por fãs do gênero, sejam atores da velha guarda, como os excelentes Ted Raimi, de Evil Dead, como o policial Travis, Grace Zabriskie, de Twin Peaks, na pele de Eliza, ou jovens atores em ascensão, como Miles Robbins, de Halloween (2018), como o sarcástico Dylan e Zach Tinker, de American Horror Story, como Jacob, o personagem cujo coração é muito maior que seu cérebro.
E, apesar de querer entrar em detalhes sobre todos eles, história e reviravoltas, a minha intenção com esse review foi deixá-lo totalmente livre de spoilers; Dessa forma ele não contém nenhuma imagem dos monstros do jogo e nem entrei em outras minucias, assim quem quiser descobrir por si ainda ter todas as surpresas que The Quarry reserva.
Vale a pena?
Como fã dos jogos da Supermassive Games recomendar The Quarry seria uma tarefa fácil porque ele é excelente dentro de sua proposta e uma evolução de quase tudo apresentado na antologia Dark Pictures, principalmente em relação a jogabilidade, gráficos e câmera.
E, mesmo que história e ritmo cheguem próximos, eles ainda não ultrapassam a qualidade do próprio Until Dawn, do qual ele é uma espécie de sucessor espiritual. Mesmo assim, a narrativa é muito boa, mesmo nos seus momentos mais bobos e pueris, característicos de obras adolescentes, e até nos eventos mais sérios que proporcionam o crescimento dos personagens — que são bem críveis nas duas situações.
Existem ainda alguns pequenos problemas visuais, como um efeito de halo em volta dos personagens que causa um desfoque nos objetos ao redor, algumas sincronias labiais falhas e alguns bugs menores, mas que não estragam a experiência final.
Como em todos os títulos da desenvolvedora até aqui, algumas decisões tem um peso maior do que outras, e embora existam alguns indicativos do que faz mais diferença em cada cenário, você só vai ter uma noção melhor dos reflexos de suas ações jogando novamente, fazendo escolhas distintas.
Alguns erros nas ações rápidas (QTEs) levam a mais mortes do que as decisões propriamente ditas, e apesar disso me incomodar entendo que serve para dar mais dinamismo e importância a esses momentos.
Contudo, o maior problema de The Quarry é o seu preço no Brasil, e, embora isso seja algo que tem mais haver com a nossa economia decadente do que um defeito do jogo em si, esses são fatores que não podem ser desvinculados.
A Edição Standard de PS4 custa R$ 349,90 e não dá direto a versão de PS5 que está sendo vendida a exorbitantes R$ 399,50, enquanto a Edição Deluxe (PS4 e PS5) custa no lançamento ululantes 449,50 dinheiros desvalorizados pela inflação.
E, mesmo que o fator replay desse tipo de jogo seja grande, e por mais que eu consiga ver todo o amor envolvido no projeto e tenha ADORADO The Quarry, por esse valor a minha recomendação é esperar uma promoção.
A análise de The Quarry foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game.