Análise Cult of the Lamb (PS5)
A combinação entre gráficos lindos, jogabilidade viciante e humor ácido fazem de Cult of the Lamb um dos indies mais incríveis do ano.
Viciante. Hipnótico. Macabramente fofinho.
Quando nós do Conversa recebemos Cult of the Lamb joguei o que me pareceu duas horas. Resolvi então olhar o relógio e eram 4 da manhã. Percebi então, com confusão e genuína surpresa, que haviam se passado seis horas sem que eu sentisse. Percebi também que tinha menos de três horas para dormir e acordar para o trabalho.
Mas, ao contrário do que você possa estar pensando, arrependimento não era o sentimento que passava pela minha cabeça. Meu pensamento era: “O dia precisa passar rápido para que eu possa jogar mais”. A diferença é que dessa vez dormirei cedo.
Confesso que fui inocente ao pensar isso. Joguei de novo até 3 da manhã.
E culpo esse hábito nada saudável não às minhas próprias escolhas, mas sim ao ótimo trabalho feito pela Massive Monster em parceria com a Devolver Digital. A culpa é de vocês. Mas, eu só tenho a agradecer.
Cult of the Lamb é um mistura entre um dungeon crawler rogue-lite e um gerenciador de bases. E esse amálgama gerou um excelente resultado. Ao combinar dois gêneros tão distintos ele conseguiu aproveitar os melhores aspectos de cada um e minimizar suas respectivas fraquezas, gerando um saldo muito positivo.
A história é bem espirituosa: o seu personagem é o Cordeiro do título — o último da sua espécie —, e sua jornada começa com o seu sacrifício (nada voluntário) por quatro entidades misteriosas. Um preço muito pequeno a ser pago por eles, e um bem alto para o nosso amigo fofinho. Isso evitaria que uma profecia antiga seja cumprida e a Antiga Fé preservada.
Ao literalmente perder a cabeça, o Cordeiro é levado à presença de uma quinta entidade, chamada Aquele Que Espera. Apesar de ter sido acorrentado e preso a um plano entre a vida e a morte pelos quatro outros bispos da Antiga Fé, Aquele Que Espera ainda detêm um grande poder e propõem um acordo — um oferta que você não pode recusar, se você preferir.
Ele devolverá sua vida com duas condições: você precisa iniciar um Culto em seu nome e derrotar os quatro bispos que o aprisionarem e te sacrificaram. E é aí que a diversão começa. Olho por olho, dente por dente, seguidor por seguidor.
A jogabilidade de Cult of the Lamb é bem básica em sua essência e isso torna o ciclo de jogabilidade fácil de entender e difícil de largar.
O jogador precisa se aventurar nas masmorras temáticas de cada um dos quatro bispos — Leshy, Heket, Kallamar e Shamura — para coletar recursos que serão usados nas diferentes construções do seu culto; consumíveis como raízes, sementes e vegetais, que serão processados para a alimentação do seu rebanho; e por último, mas não menos importante, seguidores que com suas adorações fortalecerão o Cordeiro e por tabela Aquele Que Espera.
Assim como na maioria dos rogue-lites, as dungeons são geradas proceduralmente, então o que você vai encontrar em cada uma depende de uma boa dose de sorte dos dados do destino. Mas, a progressão em cada uma delas é sempre a mesma: na primeira sala você recebe uma arma, que varia entre uma seleção de adagas, espadas, garras, machados e martelos, com atributos e bônus distintos; e uma maldição, que funciona como um ataque especial que utiliza um medidor de fervor abastecido a cada inimigo derrotado.
As próximas salas podem conter inimigos comuns, especiais e sub-chefes, além de recursos, baús de tesouro com recompensas variadas, e NPCs que te ajudam na sua jornada, como Clauneck, que permite ao jogador escolher entre duas Cartas de Tarô aleatórias e que concedem habilidades passivas específicas, como mais saúde, aumento da possibilidade de dano crítico, negação de dano e muito mais. O game tem 36 cartas diferentes para serem desbloqueadas, então falta de opção não é um problema.
Após finalizar cada conjunto de masmorras o mapa abre ramificações para o jogador escolher que tipo de sala ele gostaria de visitar, afunilando as opções até chegar na última, onde o Chefe daquela área estará. Nas arenas iniciais, esses caminhos são mais curtos, mas quanto mais perto de um dos Bispos mais opções o Cordeiro terá.
Se você leu meu review de Curse of the Dead Gods a ramificação do mapa é bem similar a que existe nele. E se não leu, faça-me esse favor.
Após derrotar um dos Bispos, uma das correntes que prendem Aquele Que Espera é quebrada e o Cordeiro fica mais perto de libertar seu novo mestre. Mas, como sempre existe a possibilidade de você morrer ao longo do caminho, ao ser vencido 25% dos recursos coletados naquela dungeon são perdidos e a crença que seus seguidores tem na sua doutrina diminui. Por se tratar de um rogue-lite e não um rogue-like as punições são menos severas, mas elas ainda existem.
E, falando em crença, nenhum Culto sobrevive sem a fé cega dos seus seguidores e uma boa dose de charlatanismo, não é mesmo? E, é na parte de gerenciamento do Culto e do seu rebanho que Cult of the Lamb realmente brilha — e vicia.
Administrar sua base e os seguidores é a parte vital de Cult of the Lamb, e onde você vai passar a maior parte do tempo. Quando mencionei no início desse review que o game era hipnótico eu não estava usando uma figura de linguagem. Você realmente é sugado para essa tarefa e a trilha sonora do acampamento é quase ritualística. Feita para você não sentir a passagem do tempo enquanto constrói edificações diversas, cumpre tarefas, atende demandas dos fieis, atribui funções a cada um, prega sermões, performa rituais e doutrinas.
E, assim como o combate, é tudo muito direto, didático e bem integrado.
Por exemplo, é preciso construir banheiros para que seus seguidores não defequem por todo o acampamento, mas as fezes podem ser utilizados como fertilizante nas suas plantações, cujos alimentos colhidos por sua vez são usados para criar as refeições da tropa. Não realizar uma dessas etapas, ou neglicenciar uma ponta da cadeia, resultará em seguidores contraindo doenças por conta da parca limpeza da base, fieis com fome quando falta comida, diminuindo assim a devoção que eles tem no Cordeiro e culminando em rebeliões de seguidores que pregarão contra você, e que podem converter outros para o anti-culto, ou até mesmo o abandono total do acampamento, levando recursos preciosos consigo.
Como um bom líder, é preciso cuidar dos seus. Mas também é possível punir os rebeldes, colocando-os na cadeia e os doutrinando de volta a razão, ou sacrificá-los em um ritual. Afinal, por quê não?
Mas o ponto aqui não é exatamente esse, mas sim mostrar o quanto os sistemas de gerenciamento são integrados criando complexidade através do básico.
No começo do jogo você precisa fazer quase tudo manualmente, os recursos parecem escassos e manter a ordem é mais custoso, mas ao melhorar as estruturas, angariar novos seguidores e manter um ritmo de sermões e rituais constantes, em pouco tempo, Cult of the Lamb começa a trabalhar para você.
Isso não quer dizer que você poderá deixar a administração do Culto de lado, afinal o boi só engorda aos olhos do dono, mas fica menos trabalhoso ao longo do tempo. E, se você gostar do jogo como eu, você pode passar um bom tempo nele.
Vale a pena?
Cult of the Lamb é um jogo incrível, principalmente se você gostar de jogos de gerenciamento estilo Harvest Moon, Spiritfarer e Stardew Valley, e a adição dos elementos de combate do estilo dungeon crawler, aos moldes de Bastion, The Binding of Isaac e afins, se tornou um complemento essencial e que deu um dinamismo a mais ao título.
Em matéria de jogabilidade como já citado, ele é bastante competente em tudo que faz e na integração dos seus vários sistemas. Neste review citei alguns, contudo existem outras possibilidades para customizar sua jornada ao seu gosto, como diferentes doutrinas para serem escolhidas que afetam seus seguidores de formas diversas, outras lãs — que são as capinhas que o Cordeiro usa — que acrescentam novos desafios e concedem bônus de gameplay, dentre outros, como mini-games de pescaria e o simpático Bugalha.
A parte visual é outro ponto de destaque, o que fica nítido pelas imagens presentes neste texto. A combinação de cores e o estilo artístico é um deleite para os olhos e chama muito a atenção logo de cara. Me lembrou muito outro game que gosto muito, chamado The Swords of Ditto. E isso é um baita de um elogio, segundo eu mesmo. Além disso, o contraste desse visual feliz e colorido com o profano acabou sendo uma ótima combinação.
O game não se propõem a fazer uma crítica severa ou relacionar os eventos da sua narrativa a cultos reais, mas trata o tema com bom humor e leveza, o que na minha opinião conta como mais um acerto dos desenvolvedores.
No quesito desempenho, Cult of the Lamb ainda tem alguns pequenos problemas na versão de consoles, como momentos de lentidão durante rituais feitos em sequência, quedas de frame em algumas áreas e mesmo travamentos, mas os desenvolvedores já deixaram claro em seu twitter que estão cientes e trabalhando em uma atualização para corrigi-los o mais rápido possível.
Mas, sinceramente, isso não me faz tirar pontos do game. Por todas as horas que passei nele, e depois de tudo que escrevi aqui, seria impossível não recomendá-lo.
Eu poderia recomendar apreciar com moderação, mas como não consegui fazer isso, seria hipocrisia da minha parte pregar isso para vocês. Além do mais, não estamos eu uma propaganda de cerveja.
A análise de Cult of the Lamb foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para PlayStation 4, Nintendo Switch , Xbox One e Xbox Series, Microsoft Windows e macOS.