Análise The Entropy Centre (PS5)
Manipule o tempo nos quebra-cabeças de The Entropy Centre, jogaço com claras influências da série Portal, mas personalidade própria.
“Comece copiando o que você ama. Copie, copie, copie, copie. Ao final da cópia você encontrará a si mesmo.”
Yohji Yamamoto, estilista
Talvez Daniel Stubbington, o desenvolvedor solo por trás da Stubby Games, e o responsável pela criação, história e desenvolvimento de The Entropy Centre, não conheça a frase do senhor Yamamoto, mas ela cai como uma luva quando penso no trabalho magnífico que ele conseguiu realizar em seu primeiro game.
The Entropy Centre é claramente muito influenciado pela série Portal — especialmente Portal 2 —, da lendária desenvolvedora que tem o poder (e o dinheiro) para fazer qualquer coisa neste mundo, desde que ela não envolva de forma alguma o número 3, Valve Corporation.
Uma inspiração tão forte e nítida que desafio qualquer um a encontrar algum review, ou mesmo notícia sobre o jogo que não chame a atenção para este fato. Tão raro quanto ler sobre um game ligeiramente difícil sem alguma menção à Dark Souls.
E se em algum casos essa simplificação se torne uma muleta para alguns colegas de escrita ávidos por alguns cliques a mais, olhando por uma perspectiva menos ácida, ela também é um imenso demonstrativo do quão icônica a série Portal foi — e ainda é, nas mentes e corações daqueles que amam seus dois únicos jogos, ou seja, todos as pessoas com o mínimo de decência.
E talvez tenha sido esse amor que impediu que The Entropy Centre se tornasse uma cópia barata de Portal para ser muito mais do que isso.
O game não esconde suas raízes, muito pelo contrário, faz questão de homenageá-la da melhor maneira possível: acrescentando seu próprio tempero à mistura e transformando essa influência em um produto que faz justiça à sua inspiração.
Claro, o tiro poderia ter saído pela culatra por conta de comparativos tão dominantes, principalmente caso as expectativas fossem maiores que as entregas. Entretanto, a mecânica temporal de The Entropy Centre trouxe equilíbrio a essa equação, e, na minha opinião, ele acerta quase todos os alvos em que mira.
Diferente de Portal que usava primariamente quebra-cabeças de posicionamento e gravidade, The Entropy Centre aproveita das ideias simples e eficientes desse primeiro tipo de puzzles, não se mete com o uso de gravidade (apesar de algumas soluções dependerem de verticalidade e impulso), e introduz um novo elemento, que é o seu carro chefe e grande diferencial: a capacidade de retroceder 30 segundos no tempo.
Você pode estar pensando: “Ei! Isso também não é nada original, Prince of Persia: Sands of Time já fazia isso em 2003″. E você não estaria errado, mesmo estando errado. E, enquanto no jogo da Ubisoft os 10 segundos que o jogador poderia retroceder eram majoritariamente para desfazer um erro e focado primariamente no combate, aqui ele é usado para resolver os quebra-cabeças de forma fenomenal.
A genialidade de The Entropy Centre — e não estou exagerando na minha escolha de palavras — é que por conta dessa mecânica o jogador não precisa apenas entender como resolver seus puzzles, ele precisa entender como fazer isso em ordem reversa.
Normalmente em um jogo do estilo é preciso resolver um problema começando em A, passando por obstáculos, até chegar a um ponto B. Aqui a dinâmica se mantêm, mas também é preciso pensar na solução retrocedendo a partir de B voltando a A e indo a B de novo. Complicado? Vou dar um exemplo de um dos quebra-cabeça dos mais simples do game e você vai entender na hora.
Imagine uma sala com duas plataformas elevadas e um vão entre elas. Neste cenário existem dois botões de pressão no chão, um responsável por elevar uma ponte que liga as duas plataformas e outro que ativa a porta de saída desta sala. O problema no caso fica por conta de existir apenas um cubo que só pode ser usado para ativar um desses botões por vez.
Ao colocar o cubo no botão A a ponte é elevada e é possível atravessar para o outro lado onde fica a saída. Porém, em algum momento esse cubo precisa ser colocado sobre o botão B para destravar a porta e você possa sair. Se ativar a ponte a porta fica trancada, Se o cubo for usado para abrir a porta não tem como atravessar. E agora?
Pense ao contrário.
O ponto B precisa ser o final da solução, mas também precisa ser o começo. Ainda confuso? É aqui que a mecânica de retroceder o tempo entra na jogada.
Você vai colocar o cubo em B (porta abre), levá-lo a A (ponte eleva) e colocá-lo de volta em B (porta abre).
Agora, no topo da primeira plataforma você voltará o tempo fazendo com que o cubo saia de B e seja posicionado em A. Com a ponte ativada chegue à segunda plataforma e retroceda o tempo mais uma vez, dessa forma o cubo (que está em A) voltará à posição B (sua primeira ação) abrindo a porta. Puzzle concluído! Hora do próximo.
O que torna The Entropy Centre especial é como ele consegue adicionar cada vez mais etapas ao longo dos seus 16 capítulos de uma forma orgânica e natural. Cada novo capítulo terá uma mecânica nova ou uma combinação delas que adicionarão complexidade às soluções.
Cubos lasers, cubos que criam pontes de energia, trampolins, cubos colapsáveis, portais transformadores (que mudam a função de um cubo), esteiras rolantes, ventiladores de entropia e diversos elementos são introduzidos gradualmente, e que farão seu cérebro queimar um pouco de borracha até dominá-los.
Além disso, é preciso ter em mente que todas as ações são cronometradas e você tem apenas 30 segundos para retroceder cada objeto no tempo.
É como se eles tivessem uma memória espacial que se redefine a partir de 30 segundos. Movimentar um cubo por mais do que o tempo estabelecido faz com que o “rastro temporal” dele comece a ser apagado. Dessa forma, será impossível retroceder até uma posição específica se esse ponto tiver passado da marca de tempo. 40 segundos já é um passado muito distante em The Entropy Centre.
Contudo, construir a solução de um quebra-cabeças que parecia impossível em um primeiro momento provoca uma sensação indescritível de satisfação. Na verdade um misto de sentimentos conflitantes seria uma percepção mais acertada. “Eureka! Eu sou um gênio!” combinado a “Como não percebi antes!?”.
Essas são sensações que todo bom jogo de quebra-cabeças deveria despertar, mas que nem todos são capazes.
E por falar em “como não percebi isso antes”, passei tanto tempo exaltando as mecânicas e influências do jogo que acabei não falando ainda de um dos seus pontos mais fortes, as protagonistas Aria e Astra.
E meu destaque vai para as personagens e não exatamente para a narrativa porque apesar da história do jogo ser uma ficção científica bem construída, são Aria, uma Operadora de Quebra-Cabeças de um dos departamentos do Centro de Entropia, e Astra, seu Dispositivo Portátil de Entropia falante, que roubam a cena com seus diálogos bem humorados e interações constantes.
O trabalho de dublagem espetacular que Chloe Taylor conseguiu imprimir para a personagem de Aria é fora de série e torna ela uma protagonista impossível de não gostar logo de cara.
De certa forma — e pode soar como heresia para alguns — Astra (dublada pro Kasey Miracle) conseguiu deixar GLaDOS no chinelo no quesito simpatia. Ajuda muito ela ser uma Inteligência Artificial que quer seu bem e não uma saída fácil para te matar a cada novo puzzle.
O Centro de Entropia é uma instalação espacial capaz de retroceder a Terra em até 5 anos no caso de eventos cataclísmicos apocalípticos, mas para isso precisa de energia de Entropia, que por sua vez é gerada através da resolução dos diversos quebra-cabeças espalhados pelo complexo.
O detalhe é que tais quebra-cabeças só geram entropia suficiente para alimentar esse reator quando resolvidos uma primeira vez.
Dessa forma, após terminar um ciclo os Operadores tem suas memórias apagadas para poderem recomeçar esse circuito novamente como se fosse a primeira vez. Qualquer semelhança com ratos de laboratórios não é mera coincidência.
Aria acorda após um dessas redefinições de memória em uma instalação completamente abandonada e com um desses eventos acabando de evaporar a Terra do espaço. Ela precisa então descobrir o que aconteceu com todos seus colegas e, principalmente, reverter o planeta no tempo para que os cientistas, governantes e a própria população possam trabalhar para impedir o apocalipse novamente daqui a 5 anos.
Como mencionado, o texto em geral é muito bom e a história é revelada aos poucos não só através das conversas entre as duas, como também via leituras de e-mails, que podem ser acessados nos vários computadores do jogo.
Aqui tenho uma pequena crítica em relação a isso. Apesar de ser uma maneira de dar profundidade a história por trás do Centro de Entropia, existem muitos e-mails que são apenas conversas rotineiras entre os antigos funcionários da instalação, e isso tem seus pontos positivos e negativos.
Os pontos positivos ficam para a humanização das pessoas que sacrificaram suas vidas e memórias para realizar esse tipo de trabalho; e para as pequenas pistas do que aconteceu no passado e estudos do que está prestes à acontecer.
O principal ponto negativo reside no fato de que, obviamente, nem todos os jogadores terão paciência para ler os diversos e-mails espalhados pelo jogo.
Talvez após ler sobre como um colega de trabalho desconfia que outro trouxe um gato para o Centro — algo terminantemente proibido — muitos desistam de dar a devida importância a esses e-mails, e assim percam partes importantes dos porquês, dos quais, dos poréns e afins da história.
(Vale ressaltar que a história do gato se estende por vários e-mails e a conclusão muito boa)
Entretanto, se esses bits de história não são essenciais para entender o desfecho de The Entropy Centre, eles são um ótimo complemento que muitos irão negligenciar pelo motivo que citei ou, talvez porque ler e-mails após um longo dia de trabalho lendo e-mails seja a última coisa que alguém queira fazer nas suas horas de lazer.
De toda forma, esse é um ponto extremamente mínimo e que não tira o brilho do jogo, pelo menos não para mim, mas que valia ser mencionado. Vale ressaltar ainda que o game está todo legendado em português do Brasil, um ponto positivo a mais, principalmente considerando que ainda são lançados títulos aqui sem o mesmo cuidado.
Além dos quebra-cabeças que são o motor principal aqui, existem trechos de “combate” e perseguição que criam uma dinâmica que contrabalanceia os momentos de pensamento mais intenso e que dão senso de urgência ao jogador.
Essas partes não são minhas preferidas, mas a trilha sonora delas é. Aliás, a trilha sonora inteira é fantástica.
Existem alguns outros problemas eventuais como ficar preso no cenário em alguns pontos, clipping de objetos e a detecção nas plataformas que funcionam como trampolim é exageradamente irritante.
Mas repito, uma única pessoa desenvolveu o game, então existem coisas que podem ser ignoradas até uma iminente atualização.
O que você não pode fazer é ignorar um jogo excelente como esse.
Confie em mim, se você gosta da série Portal e jogos como The Tales Principle, The Turing Test e The Swapper, com toda certeza, Entropy Centre merece um lugar no seu coração, mesmo que ele frite seu cérebro vez ou outra.
A análise de The Entropy Centre foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela Playstack. Disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series e Microsoft Windows.