Análise Split Fiction (PS5)

Com Split Fiction, a Hazelight chega ao ápice de sua fórmula e cria o melhor jogo cooperativo da história.

Lembro-me perfeitamente do dia em que cheguei em casa e vi o trailer de um jogo no canal do PlayStation, do qual fiquei extremamente curioso e empolgado. Este jogo? It Takes Two. Naquele momento, decidi que iria comprá-lo, mesmo sendo um pouco diferente do que eu estava acostumado. Naquela época, estávamos presos na pandemia, e jogar algo cooperativo parecia uma ótima ideia. Por conta dessa decisão, experimentei o melhor jogo de 2021, eleito não só por mim, mas também pela crítica, já que o game recebeu o prêmio de “Game of the Year”.

Confesso que não conhecia a Hazelight Studios e, por conta de It Takes Two, tornei-me fã da equipe. Desde 2018, com A Way Out, eles vêm se dedicando a criar jogos focados no cooperativo, nos quais um jogador precisa do outro para progredir na história.

It Takes Two

Joseph Fares, criador do estúdio e diretor de todos os jogos da empresa, afirmou que sua missão é levar diversão extrema aos jogadores, enquanto transmite a sensação de como era jogar nos anos 90, quando tínhamos inúmeros games com cooperativo local.

Se pensarmos em como os jogos são desenvolvidos atualmente, é uma missão e tanto. No entanto, é fato que o talento dele e de sua equipe conseguiu romper a bolha do preconceito com jogos coop e atrair o grande público, mesmo que suas produções não sejam milionárias.

Como dito, após It Takes Two, fiquei extremamente animado para o próximo projeto do time, principalmente porque essa experiência me transmitiu sentimentos que muitos jogos nem chegaram perto de provocar. Minha expectativa aumentou ainda mais por conta do sucesso surreal que o jogo alcançou, vendendo inacreditáveis 25 milhões de cópias. Com esse sucesso, era claro que o próximo jogo seria ainda mais ambicioso, mas, é claro, dentro da proposta do estúdio.

E, bom, no The Game Awards 2024, Joseph Fares subiu ao palco e anunciou Split Fiction, o novo jogo da Hazelight. Automaticamente, tornou-se o jogo que eu mais esperei em 2025. Minha felicidade foi ainda maior, já que o jogo foi anunciado com data. Após a espera, finalmente pude jogar e fico feliz em dizer que minhas expectativas não apenas foram alcançadas, mas superadas, e muito!

Hazelight

Narrativa mais ambiciosa

Embora todos os jogos do estúdio sejam sempre focados em mecânicas de gameplay, a narrativa nunca foi deixada de lado. Em A Way Out, acompanhamos a história de dois amigos que tentam fugir da prisão. Em It Takes Two, vemos um casal que enfrenta uma crise no relacionamento. Agora, em Split Fiction, acompanhamos duas escritoras que nunca publicaram um livro sendo convidadas por uma editora para, talvez, realizarem seus sonhos.

Desde o início, somos apresentados a Zoe e Mio, que possuem personalidades completamente diferentes. Zoe é alegre e positiva, sempre cheia de vontade de comentar tudo ao seu redor. Mio, por outro lado, é fechada, tímida e tenta lidar com problemas familiares enquanto supera seus traumas pessoais.

Split Fiction

Além disso, Zoe é apaixonada por mitologia medieval e dedica seus escritos a esse tema, enquanto Mio escreve sobre ficção científica. Acho que isso deixa claro que ambas não têm nada em comum.

Na empresa, seus mundos acabam se cruzando quando um acidente em um experimento dá errado, e ambas vão parar em um mundo que alterna entre os gêneros preferidos das personagens.

Embora a sinopse seja simples e até um pouco ingênua, o desenvolvimento da história conseguiu me surpreender. Diferentemente dos jogos anteriores, cuja narrativa não me cativou tanto, Split Fiction conseguiu me fazer importar com as personagens. A história ainda é muito competente ao entregar reviravoltas que realmente não esperava.

Split Fiction

Claro, o foco não é a história, mesmo ela sendo muito presente. Por conta disso, alguns podem achar a narrativa boba no início e perder o interesse no desenrolar. Contudo, para quem precisa de uma boa narrativa para se manter engajado, acredito que a equipe conseguiu construir duas personagens muito carismáticas. E, mesmo que o jogador não controle ambas, me importei com o desfecho delas.

O melhor coop da história

Para falar do gameplay desse jogo, infelizmente, terei que me conter, pois acredito que a surpresa é fundamental para a experiência de quem for jogar. Mas vou tentar passar todo o meu sentimento de amor que tive com as mecânicas apresentadas aqui. Para quem jogou It Takes Two, talvez entenda o que quero dizer.

Split Fiction poderia ser uma continuação do jogo anterior, mas, conforme você avança, fica claro o motivo de o estúdio ter partido para uma nova IP. Ao término, o sentimento é que It Takes Two foi apenas o colegial do time e, agora, eles estão formados e graduados em jogos cooperativos.

Split Fiction

Em seu início, ele até engana ao mostrar mecânicas simples e familiares, mas tudo é como um aquecimento para o que vem em seguida. A cada fase, eu me perguntava o tamanho do documento de level design deste jogo. É inacreditável como o jogo consegue mudar de perspectiva ou gênero quase a todo momento, mas sem perder o ritmo ou causar um sentimento de estranheza ao jogador.

Todas as mecânicas são simples no início, mas, de forma sutil, elas evoluem, cobrando cada vez mais destreza e habilidade do jogador, até o ponto em que se chega ao ápice, e, neste momento, ocorre a troca de mecânica novamente.

É impressionante como o time consegue acertar no tempo de duração de cada mecânica. Não existe um momento durante todo o jogo em que senti que estava enjoando ou que queria mais do que estava vivenciando. Todas duram exatamente o tempo necessário. Isso se torna o maior acerto do jogo, pois cada momento é uma surpresa.

O estúdio não foi apenas brilhante ao criar ritmo, mas também ao abusar da criatividade. Digo, sem nenhum exagero, que diversas mecânicas já vistas em outros jogos são usadas aqui de uma forma que nunca tinha visto. Citando um exemplo de forma bem superficial para não dar spoiler: tenho certeza de que o uso de espelhos para refletir determinados objetos já é algo batido, não é mesmo? Porém, tenho certeza de que você nunca viu como isso é usado aqui. Este elogio pode ser aplicado a vários outros momentos. Cada vez que eu achava que o jogo faria algo previsível, de forma impressionante, ele conseguia me surpreender ao apresentar algo novo.

Quando pensei em escrever este review, considerei descrever várias de minhas fases favoritas (que são praticamente todas), mas optei por falar de meus sentimentos com o gameplay, porque tenho certeza de que você irá se surpreender. Mesmo que tenha visto trailers ou gameplay em algum lugar, o sentimento de jogar cada fase é único.

Em uma era em que dezenas de jogos, mesmo os bons, não conseguem causar o sentimento de surpresa nos jogadores, Split Fiction vai contra a maré, ao usar mecânicas já conhecidas, mas de formas nunca vistas, com a adição de serem vencidas em coop.

Split Fiction

Uma observação que preciso fazer se encaixa no aspecto de surpresa: os 30 minutos finais desse jogo são facilmente uma das coisas mais brilhantes e criativas que já vi, seja em jogos ou filmes. Não me lembro de ficar com a boca aberta, sem acreditar no que estava vendo, como aconteceu na reta final do jogo.

Nesse sentido, fica aqui mais um elogio: diferente de como vemos na maioria dos jogos, Split Fiction só melhora com o tempo. A cada fase, a ânsia por mais e mais só aumenta, e seu desfecho é brilhante, causando no jogador um sentimento de: “Nossa, apesar de incrível e de querer muito mais, fico feliz que acabou aqui, NO AUGE”.

Aula de polimento

Já usei tanto a palavra “surpresa” neste texto que fico até meio sem jeito de voltar a usá-la, mas não encontro outra no vocabulário brasileiro que expresse melhor o que sinto. Então, me desculpe: você vai vê-la de novo.

Split Fiction

Eu fiquei SURPRESO com o nível de polimento que todas as fases e mecânicas têm. Pensar que cada fase poderia facilmente ser um jogo inteiro torna inacreditável o que a Hazelight conseguiu fazer. Tudo funciona exatamente como deveria. O time demonstra um talento absurdo ao conseguir equilibrar peso e fluidez em todos os momentos do jogo.

Ao longo da jornada, eu não tive um único bug, nem mesmo gráfico. Além disso, preciso destacar o quão bonito Split Fiction é. Eu não esperava cenários tão deslumbrantes como os apresentados ao longo do jogo.

Hazelight

Diferentemente de It Takes Two, que explora ambientes internos mais familiares ao nosso dia a dia, como quarto, parque de diversões ou jardim, Split Fiction aposta em cenários fantasiosos da ficção científica e da fantasia medieval. E, mesmo que as temáticas se repitam, é impressionante que, a cada apresentação, surja uma identidade visual completamente nova. Isso não apenas transforma os cenários como um todo, mas também altera o visual das personagens. É ASSUSTADOR!

Coop funciona?

De forma geral e sendo bem direto: SIM! Eu, com certeza, nunca vi um jogo usar tão bem o cooperativo como este. Na verdade, vou além: não existe jogo que o utilize tão bem quanto este. Não há nada que chegue perto! É impressionante como cada fase exige a colaboração da dupla para que a progressão aconteça. Dentro disso, o jogo consegue balancear muito bem as mecânicas para ambos os jogadores. Ora um é suporte, ora é ação, e vice-versa. Nunca fica entediante para ninguém.

Porém, durante a minha jogatina, que foi muito especial para mim, pois joguei junto com meu filho (que, sim, já possui grande habilidade para jogar), fiquei me questionando sobre o nível de acessibilidade deste jogo. Esse tipo de jogo geralmente é jogado por uma pessoa experiente e outra que não possui tanta familiaridade com videogames. Para quem não joga com frequência, talvez, em alguns momentos, possa haver dificuldades.

Lindíssimo

Diferentemente de It Takes Two, que é um jogo mais amigável, em Split Fiction, algumas mecânicas exigem bastante habilidade do jogador. No entanto, o estúdio está ciente disso e, ao não tornar o jogo punitivo, consegue criar um equilíbrio perfeito. Para explicar melhor, vou dar um exemplo: imagine que você está em uma sessão de plataforma em que precisa superar cinco obstáculos. Durante o trajeto, você morre no terceiro. O jogo entende que a pessoa pode ter dificuldades e, muito rapidamente, traz você de volta à vida no exato lugar onde morreu.

Isso também se aplica às batalhas contra chefes. Caso ambos os jogadores morram, toda a vida retirada do boss permanece. Portanto, por mais que o jogo possa ser um desafio em alguns momentos, ele ainda consegue ser acessível para todos, ao não punir o jogador. Dito isso, joguem como quiserem; vocês não terão problemas.

Vale a pena?

Escrevo há algum tempo para o site e, ao longo desse período, sempre penso muito antes de recomendar ou não um jogo para quem está lendo. Mas, pela primeira vez, eu já sabia a resposta para essa pergunta enquanto ainda estava jogando.

Aqui no Conversa de Sofá, não temos o costume de dar notas para jogos, já que “jogar” é uma experiência individual e é muito difícil atribuir um valor objetivo a algo assim. No entanto, também pela primeira vez, sinto-me confortável e confiante em dizer que Split Fiction é um jogo NOTA 10.

Melhor jogo cooperativo já feito

Ainda devo jogar muitas coisas este ano, mas não sei se haverá algo que me tocará como este jogo tocou. Ele é uma evolução brutal do jogo anterior, e o estúdio chega ao auge de sua fórmula, mostrada pela primeira vez em It Takes Two.

Fico ainda mais feliz sabendo que um estúdio como a Hazelight existe e continua se preocupando em criar videogames em sua essência. Sua existência é um milagre em meio a tantos problemas que a indústria enfrenta e à visão de lucro infinito que tantos executivos possuem.

Em resumo, Split Fiction é videogame no estado mais puro da palavra. Split Fiction é uma obra-prima.


A análise de Split Fiction só foi possível graças a uma cópia gentilmente cedida pelos nossos parceiros da Nuuvem, e você pode adquirir ele, ou qualquer outro jogo, com um desconto especial clicando aqui.