Análise KARMA: The Dark World (PS5)

KARMA: The Dark World é um jogo de horror psicológico que distorce a linha que separa o surreal da realidade muito inspirado pelo livro 1984.

KARMA: The Dark World

Ano passado fez 75 anos que o livro 1984 de George Orwell foi lançado e continua sendo influência atual para obras em todas as mídias e preocupantemente reflete cada dia mais para onde caminha a nossa sociedade em um nível global.

Os temas principais do livro são o controle, vigilância permanente e privação da liberdade dos indivíduos. E esses também são os pilares da narrativa de KARMA: The Dark World.

A diferença é que no jogo essa versão de mundo — assustadoramente próxima da nossa realidade — é construída em cima de outros três estruturas: o thriller investigativo, o sci-fi e a tentativa de um horror light (mais sobre isso daqui a pouco).

Daniel McGovern

Some a isso inspirações no surrealismo de David Lynch, os loops criados por Hideo Kojima em P.T., a uma pitadinha do controle mental da série Ruptura e você tem um prato cheio para fãs do gênero walking simulator, que é o que o jogo acaba sendo no final das contas.

Desenvolvido pela chinesa Pollard Studio e publicado pela Wired Productions e lançado em 27 de março de 2025, KARMA: The Dark World está disponível para PC e Playstation 5, e essa análise foi escrita com base em uma cópia fornecida pela assessoria de imprensa do jogo.

Corporação Leviathan

O controle de tudo e de todos

Inicialmente não fica claro sobre o que KARMA: The Dark World realmente é, mas gradualmente uma atmosfera cada vez mais psicótica, surreal e soturna vai sendo revelada.

Antes de mais nada, é bom deixar claro que o jogo é predominantemente sobre a vida em uma distopia autoritária com elementos leves de horror. Quem está a procura de algo mais assustador, repleto de sustos e outros clichês vai encontrar bem pouco disso aqui. Na verdade, ele é um jogo mais angustiante do que qualquer outra coisa.

KARMA: The Dark World

O enredo se desenvolve de maneira não linear entre os anos de 1966 e 1984 (claro!) e acompanham o Patrulheiro Daniel McGovern, da Agência do Pensamento da corporação Leviathan, durante a investigação de um roubo que em um primeiro momento parece muito simples, mas conforme ele se aprofunda no caso, segredos vão transformando sua realidade em um pesadelo.

Daniel usa um aparato tecnológico diretamente do futuro do passado para acessar e reviver as memórias dos suspeitos dentro da própria mente deles. Alguns suspeitos concedem uma acesso mais facilitado a algumas lembranças, enquanto lutam e criam barreiras para manter outras trancadas a sete chaves, levando Daniel muitas vezes a sobrecarregar a mente desses indivíduos e comprometendo sua própria sanidade para obter as respostas necessárias.

KARMA: The Dark World

E o que ele encontra na cabeça de um desses suspeitos vai mudar toda a noção de realidade e corporativismo capitalista cego que nosso protagonista tanto valoriza. A partir daí traumas físicos e psicológicos serão misturados a sequelas do passado e os limites do que um ser humano é em sua essência serão testados.

Para completar, a presença constante da entidade cibernética a quem Daniel precisa se reportar, conhecida como “Mãe”, e o ambiente de vigilância absoluta da Leviathan criam um clima de paranoia e tensão crescente.

Se você já leu algum dos meus reviews aqui para o Conversa já sabe que o que eu tinha para dizer sobre a história encerra aqui.

Não quero, mesmo que acidentalmente, dar qualquer spoiler para ninguém, já que considero que descobrir o que está por trás da narrativa de KARMA: The Dark World é uma parte significativa da experiência.

KARMA: The Dark World

E se a história tem brilho próprio, a jogabilidade é mantida na penumbra e pode ser um demérito grande para muitas pessoas. O jogo foi feito pensando em andar, e andar devagar para apreciar a ambientação, a loucura, a opressão e absorver a tensão momento a momento. Como mencionei, ele é, basicamente, um walking simulator em que você analisa pistas, lê documentos, resolve quebra-cabeças, vasculha armários e em alguns momentos é inserido um elemento de um perseguidor — e o seu único recurso é fugir.

E mesmo que em um determinado momento você ganhe habilidade de “correr” — para transmitir o senso de urgência em resolver o caso e sair da mente dessas pessoas antes que você se perca nelas —, o ritmo não parece certo, ele é pesado e um pequeno erro faz com que o seu algoz te alcance resultando em morte certa. Porém como os pontos de salvamento automáticos são generosos não é necessário repetir trechos muito extensos, mas mesmo assim não gostei.

KARMA: The Dark World

E não me entenda mal, não estou falando que essa estrutura ou o gênero em si seja algo ruim, um dos meus jogos favoritos é um walking simulator: What Remains of Edith Finch, mas, eu esperava algo a mais aqui. Não sei, talvez o errado nesse história seja eu mas, o sentimento que eu fiquei foi o de que faltou alguma coisa para que ele fosse um pouco mais dinâmico e menos linear.

De toda forma, KARMA: The Dark World não é um jogo longo, dependendo, claro, de você não ficar preso em algum quebra-cabeça (como eu), mas é possível concluir a campanha em no máximo 10 horas, explorando bem, lendo todos os documentos, procurando todos os colecionáveis, etc.

Surrealismo

Um detalhe importante que eu não poderia deixar de mencionar é que o jogo está totalmente localizado com legendas em português do Brasil, então você vai conseguir aproveitar o que ele oferece de melhor que é a sua história. A única crítica que eu tenho é que às vezes se torna difícil ler um documento com fundo claro e letra branca, mas um update resolve isso facilmente.

Vale a pena?

KARMA: The Dark World tem uma narrativa rica em detalhes, cheia de camadas e que me prendeu do início ao fim, tanto por sua estranheza, surrealidade como por suas reviravoltas.

A estrutura tirânica baseada no controle coorporativo e estatal referenciando 1984 leva a questionamentos para além do jogo, trazendo reflexões para a nossa vida pessoal, o que nos torna quem somos e o que é importante no final das contas.

KARMA: The Dark World

O visual contundente, desorientante e surreal com várias referências a David Lynch, especialmente Twin Peaks, é outro ponto alto do game, mesmo que ele não seja tecnicamente o jogo mais bonito do mundo, a direção de arte opressiva é uma parceira perfeita para a história que está sendo contada.

Para quem aprecia jogos que desafiam a percepção e mergulham no lado mais perturbador da mente humana, KARMA: The Dark World é um prato cheio. Entretanto, se você é tipo de jogador que prefere um terror mais direto com mecânicas mais voltadas para a ação, talvez essa experiência não seja tão envolvente para você.

Daniel

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.