Análise Alfred Hitchcock – Vertigo (PS5)
Alfred Hitchcock – Vertigo acerta em cheio na história, mas falha em seus outros aspectos. Uma recomendação fácil se torna quase impossível.
A quantidade de reviravoltas na história de Alfred Hitchcock – Vertigo é maravilhosamente sublime.
Foi impressionante como ele conseguiu capturar minha atenção e vontade em tentar desvendar aonde aquela história me levaria no próximo ato.
Entretanto, a palavra impressionante não foi usada como um elogio aqui, muito pelo contrário, ela é uma crítica ferrenha. O que me impressionou em Vertigo foi como a narrativa me prendeu mesmo todo o resto sendo truncado, lento e antiquado.
Foi penoso terminar o jogo, mas eu precisava saber a verdade.
Valeu a pena? Pela história, com certeza. Já pelo resto, absolutamente não.
Colocado dessa forma parece que odiei o jogo dos espanhóis da Pendulo Studios, e isso não seria verdade ou justo. O que gostei em Vertigo eu gostei para valer, mas o que me desagradou fez isso na mesma intensidade ou até mais.
Ele entra em uma categoria estranha de jogos que tenho catalogados com o rótulo: gostei, mas não recomendo; que às vezes oscila para a categoria: gostei, mas recomendo em situações muito específicas.
Uma dessas situações muito específicas seria, por exemplo, se você for uma pessoa que aprecia uma ótima história de mistério, mas não se importa com um gameplay lento e telas de loading a cada 5 minutos. Eu amo a primeira condição, tolero a segunda, contudo a terceira praticamente estraga tudo.
E Alfred Hitchcock – Vertigo consegue ainda criar uma condição dentro da condição que citei. Eu recomendaria ele então para aqueles que acham a narrativa mais importante que a jogabilidade?
A resposta depende de uma informação que não tenho sobre você, caro leitor: Como anda seu conhecimento em inglês ou espanhol?
Porque se você quiser aproveitar o melhor aspecto do jogo — sua história — você vai precisar dominar uma dessas duas línguas, já que não existem legendas em português para ele.
O Brasil é o 12° maior mercado consumidor de games no mundo e ocupa a primeira posição na América Latina, movimentando 2,3 bilhões de dólares em 2021, segundo dados da consultoria Newzoo, e com projeções, nesse mesmo relatório, de crescimento de 5,3% para 2022.
Considerando esses dados, e levando em conta que o melhor aspecto de Vertigo indiscutivelmente (segundo eu mesmo) é a sua história, a desenvolvedora junto à publicadora Microids não terem investido em uma localização para o nosso idioma é algo que cada vez será menos tolerado pelo público nacional.
Todavia, se o idioma não for uma barreira para você, a história segue a vida do famoso escritor Ed Miller, que após um trágico acidente de carro adquire uma tontura crônica que o impede de sair da cama sem o mundo girar ao seu redor.
O que deixa a situação dele ainda mais desesperadora é o fato de ninguém ter encontrado os corpos de sua filha e esposa no local do acidente. Isso já seria o suficiente para deixar qualquer um louco, mas o buraco na vida do autor só começou a ser cavado. Na verdade, segundo a polícia, não existem sequer registro de que um dia mulher e filha existiram. Seriam as duas uma criação da mente de Ed? Ou é tudo uma conspiração contra ele?
Traumas físicos e psicológicos pós-acidente são misturados a sequelas do passado, enquanto a psicoterapeuta doutora Julia Lomas tenta através de sessões de hipnose desbloquear memórias que possam ajudar Ed a superar seus fantasmas pessoais e curar sua vertigem, e também contribuir com a investigação conduzida pelo xerife Reyes a respeito da família Miller, o acidente e circunstâncias envolvendo outras pessoas próximas ao autor.
Tentei ser o mais vago possível no fio condutor que une as diferentes perspectivas narrativas de Alfred Hitchcock – Vertigo porque vale muito a pena — para quem se interessar pelo game — aproveitar a história totalmente sem spoilers.
Existem muitos outros ângulos dessa mesma história e as reviravoltas são realmente surpreendentes.
Essas múltiplas perspectivas são apresentadas quando controlamos os diferentes personagens do game: o próprio Ed Miller, com destaque para os momentos de flashbacks durante a hipnose; a doutora Lomas; o xerife Reyes e um quarto personagem misterioso reservado para o terço final que, obviamente, não vou revelar.
E se a narrativa é brilhante, é justamente quando você precisa jogar Vertigo que a qualidade cai absurdamente.
Por se tratar de um adventure as ações de gameplay são limitadas à interação com objetos, escolha de diálogos e eventuais quick time events, muito inspirado pela jogabilidade de títulos da Quantic Dream, como Heavy Rain ou Life is Strange da Dontnod Entertainment.
E por falar em Dontnod, uma das mecânicas fundamentais em Vertigo — que envolve Ed analisar memórias do seu passado — é muito similar à mecânica do Palácio Mental de Twin Mirror, um jogo da desenvolvedora francesa pouco conhecido pelo grande público, mas que tive a oportunidade de escrever sobre aqui para o Conversa.
O problema não mora no estilo de jogabilidade — adoro os jogos que citei e nos quais ele se inspira tanto —, o problema é a forma como esse estilo foi implementado aqui.
Tudo em Alfred Hitchcock – Vertigo é mais lento do que deveria, o que torna o ritmo extremamente arrastado e pouco engajante.
Um exemplo recorrente: duas pessoas conversando… ao final de cada frase o personagem fica uns dois segundos calado com a câmera fixa nele até que o outro responda, para a mesma dinâmica acontecer agora com essa segunda pessoa. Isso em toda cena de diálogo, sem exagero.
Aqui cabe um parênteses importante: se a história do jogo é fenomenal, como afirmei várias vezes aqui, isso se deve quase que exclusivamente ao enredo em si e toda a trama, porque os diálogos muitas vezes são risíveis.
Outro exemplo prático de como Vertigo tem sérios problemas de ritmo: interagir com um objeto também significa ficar olhando para ele um tempo maior que o necessário antes de partir para outra cena. Também sem exagero, em todas às vezes. Agora imagine uma cena em que existem vários objetos para serem analisados. É angustiante.
E tudo isso pontuado por loadings absurdamente frequentes, mesmo no PlayStation 5.
Conversando com outro redator do site, o grande João Ibarra — que também está jogando Vertigo, nós aventamos a possibilidade disso ser um recurso para emular o estilo hitchcockiano de criação de tensão através da exposição prolongada, tomadas longas e close-ups. Mas, sinceramente, por mais que eu tenha me forçado a enxergar por esse ângulo, não consegui convencer a mim mesmo que essa tenha sido uma escolha consciente ou um escolha baseada em alguma limitação. Seja qual foi o motivo, foi uma péssima escolha.
E por falar em emular Hitchcock, se você é fã do cineasta já deve ter percebido pelo enredo que Alfred Hitchcock – Vertigo não é uma transposição fiel do filme Vertigo (Um Corpo que Cai no Brasil), de 1958.
Apesar do nome, a história do jogo é sim uma obra original, mas que mantem os mesmos temas centrais do filme, como obsessão, suicídio, roubo de identidade e psicopatia. Além disso, os ângulos e cortes de câmera em vários trechos também são referências/homenagens ao filme homônimo, o que agradará quem — assim como eu — considera esse um dos melhores trabalhos do diretor.
Entretanto, entenderia perfeitamente a decepção de quem esperava uma adaptação literal e recebeu o contrário disso. Na minha opinião, esse foi um ponto muito positivo, porque mesmo conhecendo os motivos do filme ainda consegui ser surpreendido pelos vários plot twists do jogo, o que adicionou um elemento surpresa bem-vindo.
Vale a pena?
Tive uma relação de amor e ódio com Vertigo — e isso ficou evidente no decorrer deste review.
É uma pena que mesmo tendo gostando muito de um aspecto dele, os seus outros elementos tenham contribuído para enterrar o que, normalmente, terminaria em uma recomendação.
Hitchcock ficou famoso não só pelo seu estilo cinematográfico, mas também por suas várias frases de efeito, e um de seus ditos mais célebres era: “Sempre faça o público sofrer tanto quanto possível.”
Infelizmente a Pendulo Studios interpretou isso de forma muito literal aqui, tanto para o bem quanto para o mal.
A análise de Alfred Hitchcock – Vertigo foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Disponível para Windows, Nintendo Switch, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series.