Análise Biomutant (PS4)

Biomutant é um RPG de mundo aberto com ótimas ideias e uma grande ambição. E essa vontade de ser grande talvez seja um dos seus maiores defeitos.

Biomutant

Biomutant é impressionante, mas também decepcionante.

O que mais impressiona é pensar que apenas vinte pessoas trabalharam implementando as inúmeras mecânicas e sistemas que ele tem. O que mais decepciona é, justamente, a quantidade de mecânicas e sistemas que ele tem, e como elas muitas vezes parecem não conversar entre si. Mas, os problemas não param por aí.

Em 2017, quando a Experiment 101 mostrou Biomutant pela primeira vez, ela ganhou minha atenção imediata. Um RPG que misturaria artes marciais, animais mutantes, customização profunda em um mundo aberto vivo e vibrante parecia muito interessante.

E ele realmente é interessante em vários desses pontos, e em alguns outros também. Mas quase tudo que é bom em Biomutant, é bom de forma isolada. Quando somados, essas mecânicas lembram um pouco a criatura de Frankenstein: várias partes sem vida que formam um monstro deformado rejeitado pela sociedade.

Mas diferente do que acontece no livro de Mary Shelley, talvez o destino de Biomutant não seja matar o seu criador, mas ensinar a ele uma lição: às vezes menos é mais.

CG Biomutant

Mas não julgue esse review por essa introdução nada elogiosa, porque gostei do jogo apesar de todas as falhas. Eu só não vou recomendar ele para os nossos leitores. Parece contraditório, né!? Gostar de algo e não recomendar. Não exatamente, e você vai entender meus pontos até final desse artigo.

Como mencionei no início, Biomutant tem várias qualidades isoladas muito interessantes, e talvez um foco maior nelas poderia ter feito o jogo se sair melhor nas críticas, essa inclusive.

A personalização e customização de classes, armas e equipamentos é uma das melhores que vi nos últimos tempos, e não estou exagerando. Você é livre para criar o seu gato/esquilo/coala, ou seja lá o que esse bicho seja, do jeito que quiser, com a aparência, habilidades e atributos diversos. Dá para perder uns bons minutos construindo o personagem mais estiloso e perigoso possível, ou talvez o mais fofinho também. Tem para todos os gostos.

As classes também são bem variadas. Algumas são focadas em combate corpo a corpo, já outras misturam esse combate de curta distância com armas de fogo, para criar um personagem mais polivalente a média distância também, enquanto outras apostam no uso de poderes elementais, bem similar a uma classe mágica de RPGs mais tradicionais.

Classes Biomutant
Eu joguei como Pistoleiro

E mesmo escolhendo sua classe no início do jogo é possível evoluir qualquer atributo no decorrer da campanha sempre que subir de nível e quando encontrar ou ganhar pontos de evolução, transformando o seu personagem em uma máquina híbrida muito legal.

Para complementar esse ponto, a personalização de armas também é fantástica. Ambientado em um cenário pós-apocalíptico destruído pela poluição humana a sucata é abundante nas ruínas desse mundo. Sem brincadeira, se você gosta de loot, vai encontrar uma tonelada deles em cada canto do cenário. Além disso, também é possível receber algumas peças como recompensa por derrotar inimigos, completando sidequests ou negociando com vendedores.

Com essas partes você vai poder montar armas diferentes e inusitadas, com raridades, aparências e tipos de danos únicos. Biomutant é um desses jogos que se você assistir streamings de diversas pessoas pode ser que nunca veja exatamente a mesma build ou uma arma que seja igual a outra. E isso é bem impressionante para um game desse escopo.

Porém, para que todas essas mecânicas de personalização funcionem seria necessário que as batalhas fossem interessante e fizesse jus a todo esse potencial. Mas esse não é o caso na maior parte do tempo.

Combate Biomutant
O combate tinha tudo para ser bom

O hack’n slash baseado em combos de Biomutant é muito inspirado em jogos como Bayonetta e Devil May Cry, o que seria ótimo se não fosse tão impreciso e desestimulante. Cada classe de armas possuí os seus próprios combos e algumas combinações especiais quando feitas de forma alternada e dentro de um espaço de tempo específico carregam o seu Super Wung Fu. Durante esse estado o seu personagem se transforma no Neo do Matrix, com super velocidade, e causando mais dano a cada golpe.

Contudo, é muito frustante que grande parte desses golpes sejam aplicados no vento. O seu personagem trava no inimigo mais próximo, mas é uma trava leve, uma viradinha na câmera já passa essa trava para outro ou simplesmente some. E como vários dos combos fazem o seu personagem fazer acrobacias malucas, é quase certo que você vai terminar um finalizador não acertando ninguém.

Os problemas de performance no PlayStation 4, com quedas de frames e stutterings também contribuem negativamente para quebrar a fluidez durante esse combate e mesmo durante a exploração dos cenários.

Por se tratar de um RPG, os dois pilares básicos de Biomutant deveriam ser o combate, que apesar de todos os elementos interessantes não é bom, e a história, onde essa situação se inverte. Ela é boa, considerando a proposta, mas não é interessante.

Biomutant Combate
Um sistema de lock on mais eficiente já melhoria muito as lutas

Esse mundo decadente habitado por criaturas mutantes está ameaçado de extinção, a árvore da vida está sendo atacada por quatro criaturas monstruosas e você precisa impedir que isso aconteça. Porém nem todos enxergam isso como algo ruim, alguns até pretendem ajudar esses monstros a dar um outro fim a esse mundo.

Essa variação entre crenças faz com que a região seja dividida em tribos rivais, e cada clã tem os seus princípios e interesses. Logo no início do game você precisa tomar partido nessa batalha, e escolher a qual você irá se unir e conquistar as outras tribos. Após a captura de cada fortaleza é possível escolher se a tribo conquistada se tornará um novo aliado ou se deixarão de existir.

Esse pano de fundo é bom, mas o problema é que ele não evolui para muito além disso e é totalmente sem propósito. Conquistar uma tribo ou outra é a mesma coisa no final das contas, afinal elas não têm diferenças narrativas que as diferencie uma da outra. Único bônus de completar essas invasões é uma arma especial coletada ao dominá-las (o arco é muito bom, fica a dica).

Tribos
Eu uni e perdoei todas as tribos

Mas capturar esses Fortes é tão repetitivo quanto dominar os acampamentos em qualquer Far Cry, a diferença é que os outposts da Ubisoft ainda permitem que você monte estratégias diferentes se quiser, enquanto aqui não. A sequência para captura é quase sempre a mesma em todos, com a mesma jogabilidade desinteressante e imprecisa de sempre.

A exceção fica para algumas batalhas de Chefes que são mais interessantes e com mecânicas diferentes que exigem um pouco mais do jogador. Duas delas até remetem a Shadow of the Colossus, algo que não esperava e que me pegou de surpresa. Uma delas de forma positiva, a outra nem tanto.

Para não ser totalmente crítico à história, existe um plot twist realmente bom, mas não é nada de outro mundo. E depois dos milhares de diálogos chatos e missões secundárias sem carisma, nesse ponto eu nem estava mais prestando atenção no que o narrador fala. E, meu amigo, como ele fala. Tanto que os desenvolvedores colocaram uma opção no menu para que você ajuste a quantidade de comentários.

Batalha contra Chefes
As batalhas contra Chefes tem momentos interessantes

Biomutant também é recheado de vários sistemas auxiliares, alguns muito bons e outros com o único propósito de inflar artificialmente o game. Dentre eles, um sistema de carma que permite ser bom ou mal (ou os dois), cada lado com suas vantagens e poderes específicos. Existem também habilidades biogenéticas similares a esses poderes, mas que são desbloqueados com outros recursos, encontrados em regiões específicas.

E por falar em regiões, dentro de cada bioma existem locais extremos, onde só é possível sobreviver com trajes especiais ou aprimorando suas resistências a frio, calor, radiação, etc. E esses foram as áreas que mais gostei de explorar, porque além de interessantes, elas sempre tinham ótimos itens para pilhar.

Outra dessas mecânicas secundárias permite que você faça sidequests específicas e consiga upgrades para o seu companheiro autômato, que transformam ele em uma asa delta, uma torreta ou em uma injeção de saúde, por exemplo. O que é bem legal, se não fosse a forma como essas missões são apresentadas ao jogador, e o quão sem graça é completar elas.

Biomutant Autômato
Melhor upgrade para o autômato

Exite também um sistema de montarias bem mal aproveitado. Você pode domar a vida selvagem de cada região e usar elas para percorrer o mundo aberto e vazio do jogo. Mas assim como na captura das bases, todas são iguais, se você domou uma montaria não há necessidade de mudar para outra já que não existem vantagens ou desvantagens entre elas.

A exceção fica para os veículos especiais que são adquiridos na missão principal. Esses sim são excelentes e variados, mas, a mesma mão que alimenta também te dá um tapa na cara quando o jogo limita a utilização deles. Quando, por exemplo, desbloqueei um Mecha gigante, eu gostaria de usar ele em outras situações, mas o game o limita a uma área. Uma pena.

E Biomutant é permeado por essas decisões estranhas. Cada mecânica realmente legal ou é pouco usada, ou é soterrada por um monte de quinquilharia acessória que tornam a jogabilidade, a história e o ritmo do game bem antiquado e arrastado. A impressão que fica é que algumas dessas idéias foram apressadas ou que desistiram no meio do caminho de dar um sentido mais profundo a elas, mas não quiseram cortar o conteúdo.

Montarias
Dá para capturar umas imagens bem bonitas no modo foto

Alguns patches de correção podem transformar Biomutant em um jogo bom com pequenas mudanças, mas no estado atual é difícil recomendá-lo, ainda mais considerando que ele foi lançado a preço cheio no Brasil. Uma decisão atípica, considerando que a publicadora, THQ Nordic, costuma trazer seu catálogo, em sua maioria AA’s, por um preço muito mais em conta já no lançamento.

Talvez a pequena equipe da Experiment 101 estivesse tão segura de tudo que eles colocaram dentro do game, que isso por si só impressionaria a todos, e seria suficiente para cobrar o mesmo valor de um AAA. Mas nem sempre quantidade é sinônimo de qualidade. Criar um mundo aberto gigantesco não vai agregar valor ao produto se ele não for gostoso de explorar, ou se for interessante só nas primeiras horas. E apesar das várias qualidades que citei aqui neste review faltou coesão ao conjunto.

Torço para que esse Frankenstein não mate o seu criador e que o estúdio consiga se sair melhor nos seus próximos projetos.

Modo foto

O jogo também está disponível para Nintendo Switch, Microsoft Windows, Xbox Series, PlayStation 5 e Xbox One.

A análise de Biomutant foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game.

Papai Platina
(Pouco) conhecido como Willian. Marido, pai de três filhos maravilhosos, fã de Stephen King, filmes toscos e trophy hunter nas horas vagas. No Twitter como @papaiplatina e willianmarques na PSN.