Análise Hazel Sky (PS4)
Hazel Sky, do estúdio brasileiro Coffee Addict Studio, é um jogo simples com uma mensagem poderosa, mas que sofre com a falta de polimento.
O que nos torna quem somos?
Essa é uma pergunta muito simples, mas a resposta quase nunca é. A maioria das pessoas vai dizer que somos fruto das escolhas que tomamos ou a forma como moldamos nossa vida a partir dessas escolhas.
Você decide estudar medicina, por exemplo, e a partir daí todos os seus esforços são direcionados para isso. A maioria dos amigos que você vai fazer na faculdade estão ali com esse mesmo objetivo. Os assuntos, no geral, passam a ter um mesmo núcleo comum. Os lugares frequentados normalmente serão os mesmos, e por aí vai.
Anos depois, já exercendo sua profissão, você olha para trás com saudade dessa época. Tudo agora é filtrado pela lente da nostalgia: todo o sufoco, decepções, angustias soam tão distantes e menos importantes do que pareciam na época, mas, por outro lado, talvez você questione se tudo valeu a pena. Se essa primeira decisão foi a correta.
Chega um momento na vida — e ele chega para todos, mesmo que a época seja diferente para cada um — em que refletimos como outra decisão poderia mudar tudo o que somos, ou quem nos tornamos.
Shane, o protagonista de Hazel Sky, está vivendo um dilema parecido.
Abandonado em uma ilha — como a tradição da cidade voadora de Gideon demanda — Shane precisa concluir ritos de passagem para se tornar um Engenheiro, ou morrer tentando. Os ritos envolvem conseguir recursos para reparar três máquinas voadoras e conseguir voltar para casa.
Durante sua jornada você encontrará livros explicando os fundamentos dessa quase religião chamada Engenharia e seu culto às máquinas, além de cartas deixadas por aqueles que passaram pelos ritos antes de você. Contudo, você também vai se deparar com os cadáveres daqueles que não conseguiram, ou não quiseram, cumprir essa missão e seus bilhetes trágicos e sem esperança.
Se tornar então um Engenheiro significa viver. Significa ter uma função na sociedade. Mas, também significa que Shane precisa aceitar o caminho que escolheram para ele. Que foi o caminho escolhido para seu pai, e para o pai dele, antes de você.
Entretanto, quando só se conhece um caminho a falta de opções não é tão dolorosa, afinal você nem sabe que outras existem. O problema é que Shane conhece a Música. E o sentimento que a música provoca faz com que ele aprecie uma coisa proibida e abominada pela sociedade tecnocrática de Gideon: a Arte.
Toda essa premissa de Hazel Sky é interessantíssima, e o game me prendeu bastante nas suas duas primeiras horas.
Eu queria muito saber mais sobre esse guerra entre Arte e Engenharia. Eu precisava descobrir mais sobre o passado de Shane a cada minuto. Lia todos os livros dogmáticos espalhados pela ilha, e me aprofundava mais na história do título. Queria entender quem era a Revolução, os antagonistas ao regime de Gideon. E queria em algum momento encontrar Erin, a garota com quem você passa boa parte do jogo conversando por um walk talk — e que é um ótimo complemento a Shane.
O meu problema com o jogo começou quando percebi, depois dessas duas horas, que a história não evoluiria para um desfecho que amarrasse as pontas soltas que ele deixa, ou que não aprofundaria na discussão entre as crenças opostas dessa sociedade.
Existem outros elementos intrigantes, como a revelação da existência de um Culto, e até um final secreto relacionado diretamente com ele. Mas a impressão é que certos detalhes da narrativa não tiveram tempo para serem trabalhados e ficam desconexos.
E como Hazel Sky é um jogo baseado na exploração e resolução de quebra-cabeças, quando vi que a recompensa por continuar explorando as ilhas me levaria apenas a mais um puzzle praticamente idêntico ao anterior e que a narrativa daria voltas e voltas em torno de um mesmo ponto, sem levantar os questionamentos instigantes do começo, meu interesse diminuiu consideravelmente.
E pior, com isso passei a não relevar mais com tanta boa vontade os deslizes que ele comete na sua jogabilidade ou quando faltava refinamento na parte gráfica.
O game tem visuais simples, mas muito bonitos dentro da sua proposta. Entretanto, quando certos elementos não tem o mesmo polimento que outros, eles se destacam do restante. E não de forma positiva. E, após metade da campanha isso se torna uma constante.
Por outro lado, é bom colocar as coisas em perspectiva: Hazel Sky é apenas o segundo trabalho do estúdio brasileiro Coffee Addict Studio, e é diametralmente oposto ao primeiro jogo lançado por eles, o souls-like Blade & Bones.
E, mesmo que Blade & Bones tivesse conceitos inteligentes e uma mecânica de manipulação do tempo muito bem implementada, o combate — carro chefe de qualquer jogo do gênero — era sofrível. Os desenvolvedores sabem disso, e reconhecem que para um primeiro trabalho o passo foi maior que a perna.
O aprendizado advindo das críticas recebidas já no primeiro jogo contribuiu para que Hazel Sky fosse mais contido e menos ambicioso que Blade & Bones, mas também não credenciou o estúdio a ter um orçamento tão maior para esse segundo projeto. E a falta de recurso, seja dinheiro, tempo ou recursos humanos, fica nítida no seu terço final.
Mas , justamente por ser mais contido, Hazel Sky é um jogo curto, e uma primeira jogada não deve levar mais do que 5 horas, o que pode ser um ponto positivo para muitos. Ele é bem relaxante e uma boa porta de entrada para pessoas que não tenham tanta familiaridade com videogames ou crianças por conta da sua proposta sem combate e quebra-cabeças muito complexos.
Outro ponto positivo é que, por ser um jogo nacional, o título conta com dublagem e legendas em português. Dublagem que inclusive considero excelente, e melhor que a de muitos jogos AAA.
Existem ainda alguns easter eggs, como a participação dos youtubers MaxMRM e BRKsEDU na narração dos comerciais que tocam nos rádios que Shane encontra pela ilha. Um toque especial para os fãs de ambos.
A trilha sonora composta por músicas originais que podem ser tocadas ao violão e cantadas por Shane, quando se encontra letras com seus acordes (um dos colecionáveis do título), são um show a parte. São melodias bonitas, mas que evocam o sentimento de tristeza e solidão com os quais o jogador é confrontado todo o tempo em sua jornada.
Contudo, como mencionado anteriormente, o brilho das primeiras duas horas de Hazel Sky é ofuscado pela queda na qualidade e repetição das mesmas mecânicas das próximas três.
Os veículos que precisam ser consertados utilizam os mesmos recursos, então a exploração dos cenários se torna basicamente igual, o que retira o fator surpresa e recompensa dela.
Os puzzles continuam simples, mas ficam gradativamente mais lentos por envolverem mais etapas, mesmo que a solução esteja na cara desde o começo — o que dá a impressão de um alongamento artificial da duração da campanha.
E o ápice de Hazel Sky, que deveria ser um dos cenários mais interessantes do jogo inteiro, é onde a qualidade cai escancaradamente, infelizmente.
Vale a pena?
Hazel Sky é um jogo simples, e isso reflete no seu preço. Ele será lançado em 20 de julho por R$ 49,99 no PC e Xbox — um preço que não estamos mais acostumamos a ver em quase nenhum lançamento, mesmo indies. E, por outro lado, custando 133,90 reais na PSN. Um valor absurdo, e uma diferença gritante em relação as outras plataformas.
É bom lembrar que desenvolver games não é fácil ou barato. E desenvolver no Brasil, de forma independente, é ainda mais complicado. E mesmo que isso precise ser levado em consideração, e mesmo admirado, não isenta de crítica o que precisa ser criticado.
O jogo é bonito, até não ser mais. É muito interessante, até não ser mais. E isso pesou muito para mim.
Contudo, talvez os problemas que apontei aqui não sejam um empecilho para você, ou quem sabe os pontos positivos que ressaltei sejam o suficiente para fazer com que você dê uma chance a ele.
E, como comecei esse review falando sobre o poder da escolha, chegou a hora de você fazer a sua.
A análise de Hazel Sky foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para Xbox One, Nintendo Switch e Microsoft Windows.