Análise Hood: Outlaws & Legends (PS4)
Em Hood: Outlaws & Legends dois times de foras-da-lei competem entre si e contra a IA na tentativa de realizar o roubo perfeito.
A história é escrita pelos vencedores… ou por quem tem mais recursos.
Existe um motivo para o mito do Rei Arthur ser tão famoso, ou para grande parte da obra de Shakespeare ter como protagonistas a realeza. E é a mesma razão para o livro mais famoso de Maquiavel ser sobre como um soberano deve legislar. Um motivo que vale seu peso em ouro: quem detêm a moeda financia as artes. E, muitas vezes arte não passa de um nome bonito para propaganda.
Nesse sentido é interessante pensar em como a lenda de Robin Hood surgiu, e sobreviveu, durante uma época em que todas as baladas, contos e épicos eram sobre a bravura e o poder de Reis, Papas e Conquistadores, já que ela ia contra tudo isso.
Um herói do povo que também era um criminoso, que roubava dos ricos e dava aos pobres. Uma história de rebeldia amenizada ao longo do tempo, mas que manteve parte da sua essência revoltosa nas entrelinhas. Entretanto, para se tornar mais palatável às cortes, a lenda de Robin foi ganhando camadas e diversas versões.
Em alguns contos ele tinha origem nobre ou era herói das Cruzadas. Em outros era retratado como homem de confiança do Rei Ricardo Coração de Leão. Ou, somado a isso, teria tido sua casa confiscada, por um xerife ganancioso e sem escrúpulos enquanto estava na Guerra Santa. Uma história de injustiças contra um ricaço era melhor recebida pela alta sociedade quando comparada a narrativa de alguém que desafiava autoridades, e era amado por isso.
E como quem conta um conto acrescenta um ponto, Robin Hood teve diversas origens ao longo dos séculos, sendo a melhor, na minha opinião, a do filme com Kevin Costner, mais conhecido hoje como pai do Superman. Aliás, o outro pai do kryptoniano também vestiu o capuz, embora esse filme seja bem mais ou menos.
E uma nova versão desse mito é a contada em Hood: Outlaws and Legends, jogo multiplayer desenvolvido pela Sumo Digital e publicado pela Focus Home Entertainment, lançado em 10 de maio de 2021, para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series S|X e PC, com legendas em português e jogabilidade entre plataformas.
Mas, será que essa nova abordagem acerta o alvo ou faltaram flechas nessa aljava?
Montando o seu bando
Hood: Outlaws and Legends é um jogo exclusivamente multiplayer do tipo jogador versus jogador versus inteligência artificial, também conhecido por PvPvE (player vs player vs environment), em que dois times de foras-da-lei competem entre si para localizar, roubar e fugir com um baú de tesouros de uma fortaleza. Para impedir o seu progresso além da equipe adversária, o jogador precisa lidar, ou evitar, os guardas e o xerife do local, um brutamontes com armadura pesada e invencível.
Cada partida é dividida em três segmentos: roubar a chave do xerife, encontrar a sala do cofre, e extrair o tesouro para um local seguro. Atualmente, o jogo tem 5 mapas apenas, o que pode parecer pouco, mas como cada um têm diferentes pontos de extração, rotas, localizações do xerife e do cofre, esse número parece multiplicado. Novos mapas (e um novo personagem) foram prometidos para atualizações futuras, algumas gratuitas e outras como parte dos pacotes de expansão planejados para o game.
O jogador pode escolher um entre quatro personagens da gangue do capuz, cada qual com habilidades, armas e itens distintos, vantagens e desvantagens.
O próprio Robin Hood, que com seu arco pode ser considerado o “sniper” do grupo, é um ótimo personagem para começar. Especializado em ataques em longa distância ele é uma classe decisiva para fazer o reconhecimento do terreno e eliminar inimigos sem alertar outros guardas. Por outro lado é fraco no combate corpo a corpo. Além do arco ele tem no arsenal uma granada de pólvora que cega os oponentes e a sua habilidade especial é um tiro explosivo que causa dano em área.
As habilidades são carregadas ao completar objetivos, capturar pontos de renascimento ou matando adversários, sejam jogadores humanos ou os guardas controlados pela IA do game.
John é a fortaleza ambulante do time e o mais fácil de controlar. Equipado com uma marreta ele é o tanque da equipe, sendo o mais forte no combate mano a mano. Além disso, é o único que consegue abrir caminho para os outros jogadores erguendo portões na base da força bruta. A sua habilidade especial padrão é uma fúria que impede que seus golpes e defesa usem estamina além de diminuir o dano recebido, o que muitas vezes é o fator decisivo nos combates. A desvantagem é ele ser um alvo grande para inimigos que atacam à distância.
As habilidades em Hood: Outlaws and Legends podem ser modificadas ou melhoradas através de perks que são disponibilizados de acordo com o grau do personagem, que nada mais é do que o seu nível. O seu acampamento também tem um grau, mas o nível dele fica atrelado apenas a customização das armas e dos personagens, sem vantagens práticas para o gameplay.
Cada personagem tem um tipo de arma de arremesso, que pode ser reabastecida em baús espalhados pelo cenário, e cada uma tem uma função, sejam para serem usadas como distração ou as que podem causar dano massivo em vários inimigos ao mesmo tempo. Dominar o balanço perfeito entre furtividade, trabalho em equipe, ativação das habilidades especiais e dos arremessáveis é indispensável para vencer.
Além de Robin e John, o jogador pode escolher ainda entre Marianne e Tooke.
Marianne é a assassina do grupo, e a sua habilidade especial a torna invisível, o que pode ter dupla função: fugir de uma situação de desvantagem ou assassinar alvos desprevenidos mais rápido que qualquer outra classe do game. A sua besta bracelete é uma delícia de usar, apesar de ser mais lenta que o arco de Robin para carregar. Ela é o mais perto de um personagem de Assassin’s Creed que o pessoal da Sumo Digital pôde chegar sem levar um processinho da Ubisoft. Um jogador que dominar a jogabilidade dela pode dizimar o grupo inimigo só com assassinatos furtivos.
E por fim Tooke, meu personagem favorito até agora. A sua arma, o mangual, não é tão com forte como o marreta de John, mas acerta inimigos em uma área maior, o que é ótimo para controle de multidão. Ele usa uma bolsa de veneno arremessável, que dificulta a visão e drena a estamina dos adversários, e sem ela não é possível atacar ou defender. A sua habilidade especial revela a posição dos inimigos em uma área e cura os aliados que estiverem no seu raio de ação. Os dois melhores perks dele transformam essa granada venenosa em uma de cura para auxiliar seu time ou anular os efeitos negativos da sua nevoa em você, permitindo atacar de dentro dela sem penalidades na sua própria estamina.
Após roubar a chave, é preciso localizar o cofre. E enquanto o portador da chave fica destacado para todos os jogadores, o cofre só fica marcado para a equipe que o localizou. Se o seu bando já o encontrou, ótimo, você já sabe para onde ir. Já se os inimigos acharam ele primeiro, provavelmente vão tentar te emboscar quando chegar lá, afinal, não há honra entre ladrões.
Porta aberta e tesouro saqueado, agora o baú precisa ser carregado até um determinado ponto do mapa para ser iniciada a extração, que consiste em içar o cofre para fora da fortaleza. O ideal é que os outros 3 jogadores ofereçam suporte ao carregador do baú até chegar ao local de extração onde até dois jogadores podem trabalhar girando a manivela para que a fuga seja mais rápida.
Na teoria muito fácil. Na prática…
Juntos venceremos, divididos cairemos
Hood: Outlaws and Legends sofre do problema de TODOS os jogos multiplayer com objetivos: em um determinado momento da partida a coordenação de equipe acaba, ninguém mais trabalha para completá-los e vira uma mata-mata generalizado.
Não me entenda mal, isso faz parte da diversão também, e pode ser um elemento estratégico importante quando bem coordenado, mas se você quiser vencer o trabalho em equipe é fundamental. O que nem sempre é fácil, quando todos os jogadores deixam de capturar bases já que você renasce longe do local de extração se morrer ou mesmo quando alguém da sua equipe acaba alertando os guardas.
Após esse alerta, a fortaleza entra em atenção máxima, o que significa que reforços serão chamados e todo o seu time ficará marcado no mapa para a outra equipe e para a IA, incluindo o próprio xerife, que funciona parecido com o Mister X de Resident Evil 2 Remake. Ele é lento, mas seus ataques matam os jogadores instantaneamente, além disso, não é possível derrotá-lo, no máximo atordoá-lo por um tempo .
Outro problema é quando todos escolhem o mesmo personagem, ou personagens repetidos, para montar o time, já que assim determinados pontos são favorecidos em detrimento de outros. Uma gangue com quatro John’s pode parecer o puro suco da brutalidade, mas vai deixar sua equipe bastante vulnerável a ataques de longa distância.
Obviamente isso pode ser resolvido com uma conversa ou jogando com amigos, mas se você for jogar com desconhecidos, pode se preparar para passar um pouquinho de raiva.
Agora, algo que realmente me incomodou em Hood: Outlaws and Legends, mas que, por outro lado, também pode ser usado como um elemento de estratégia, é como o sistema de extração funciona.
A retirada do baú de dentro da fortificação é feita em etapas, como uma espécie de porcentagem, e se o seu time for morto durante o processo o grupo inimigo pode retomar a extração de onde vocês pararam. Então, mesmo que sua equipe tenha feito uma partida impecável, matado mais, capturado todos pontos de controle e o escambau, o que vai contar para o resultado final é apenas quem vence o jogo de extração.
Como eu mencionei, isso pode ser usado como estratégia: esperar na surdina a equipe inimiga chegar em 90% da fuga, matar todo mundo e completar a extração enquanto eles não renascem (existe até um troféu para isso) e vencer a partida é maravilhoso.
O problema é quando vocês são a vítima dessa estratégia. Aí a vontade de desinstalar o game é suprema.
Vale a pena?
Apesar das raivas passadas, Hood: Outlaws and Legends é muito gostoso, fácil de jogar e viciante.
Se você curte jogos multiplayer competitivos ou de heist, ele é uma ótima escolha para reunir os amigos. Você ainda pode se divertir jogando com pessoas aleatórias (eu só joguei assim), e por estarem habilitadas partidas entre plataformas, isso garante que pelo menos por enquanto, no lançamento do game, não seja difícil encontrar partidas.
Por outro lado, senti que quem joga usando o Robin com teclado e mouse leva vantagem, por ser mais fácil de mirar. Contudo, se isso te incomodar é possível desabilitar o cross-plataform a qualquer momento.
Apesar de existirem abas com dois modos, uma para o PvPvE e uma para o PvE, esse último funciona apenas como um modo de treinamento, enquanto o jogo “de verdade”, com recompensas de experiência e ouro, só acontece no PvPvE. Mas os desenvolvedores prometeram criar alternativas para deixar o PvE mais interessante, além de outros balanceamentos, no futuro.
Infelizmente, o título não aprofunda muito no quesito história. Não existe uma narrativa aqui, e você só vai conhecer mais dos personagens através de textos curtos chamados Lendas, que são liberados quando um personagem cumpre certos requisitos. O que, na minha opinião, foi um desperdício muito grande de uma narrativa que poderia ir além.
Apesar disso, gostei bastante de Hood: Outlaws and Legends e me diverti muito, mesmo que games exclusivamente multiplayer não sejam minha primeira opção, esse eu recomendo.
E considerando que hoje em dia quase todos lançamentos custam 350 reais, é um alívio que esse custe metade do preço logo de cara, mesmo entregando uma experiência mais simples.
Hood pode não acertar todos os alvos, mas os que consegue, acerta na mosca.
A análise de Hood: Outlaws and Legends foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game.