Análise Pathologic 2 (PS4)
Pathologic 2 é um RPG de sobrevivência em que é preciso achar a cura para uma praga misteriosa enquanto tenta manter a sanidade em meio a uma trama macabra.
Uma das primeiras pesquisas que faço antes de começar um jogo numerado que não conheço é para saber se preciso ter jogado a entrada anterior ou se posso seguir direto para o atual e o quanto minha experiência pode ser prejudicada caso a resposta seja positiva.
Contudo, no caso de Pathologic 2 não é necessário ter jogado ou conhecer o primeiro e é melhor e recomendável não saber nada sobre já que assim todas as surpresas serão mantidas.
Para fãs de filmes de terror, em especial os considerados filmes B, a relação entre os dois Pathologic’s é exatamente a mesma que Evil Dead 2 tem com o filme original.
Com o sucesso do primeiro um segundo é produzido, desta vez com um orçamento maior, mas a história não é uma continuação e sim uma espécie de remake da primeira obra numerada como um segundo título, gerando então essas dúvidas e confusões.
Seguindo a comparação com filmes B de terror, Pathologic 2 se assemelha bastante a estrutura de um: é estranho, possui defeitos aparentes, mas é intrigante a ponto de manter o jogador envolvido até entender sobre o que ele é de fato.
O game foi desenvolvido pelo estúdio russo Ice-Pick Lodge e publicado pela tinyBuild, lançado em 06 de março de 2020 para PlayStation 4, mas se você prefirir jogar em outras plataformas Pathologic 2 também está disponível para PC e Xbox One.
A narrativa gira em torno de um médico chamado Artemy Burakh que ao receber uma carta urgente de seu pai retorna ao vilarejo onde nasceu para ajudar no combate a uma misteriosa praga que agora toma conta do lugar.
E é aí que as coisas começam a ficar surreais, para dizer o mínimo.
Por quem os sinos dobram
Pathologic 2 se apoia em duas estruturas principais: o foco da jogabilidade em elementos de sobrevivência e na sua história macabra e surreal, por conta disso vou manter esse review o mais obtuso e livre de spoilers possível em relação a narrativa.
É importante entender que ao voltar para a sua cidade as coisas estão piores do que seu pai havia lhe informado nas poucas linhas que lhe escreveu e além da doença o jogador se vê imerso em uma complicada trama de assassinato, precisando então provar sua inocência, além de lidar com questões políticas da cidade.
Agora você deve estar pensando: “O que tem de surreal nisso? Parece uma trama simples e direta, não!?”
Bem… Pathologic 2 pode ser várias coisas, inclusive simples, mas ser direto não é uma de suas características.
A história é contada através da interação com NPCs e das missões secundárias que eles passam ao jogador, algumas são bem simples, mas as mais complexas vão mudar sensivelmente a sua relação com a cidade e seus habitantes dependendo das escolhas e atitudes tomadas.
Você vai encontrar de tudo um pouco aqui, pessoas comuns, políticos, bandidos grandes e pequenos, ex-amigos, criaturas estranhas, figuras agourentas e até uma espécie ancestral de habitantes.
Essa narrativa não linear e sequências em que não é possível diferenciar o que é real do que é efeito da doença ou mesmo influência das condições físicas e mentais do seu personagem transformam Pathologic 2 em um jogo único e bastante estranho.
Ele flerta com elementos de horror, mas não chega a ser um jogo de terror propriamente dito, tendendo mais para o suspense.
Contudo, a estranheza dos habitantes de Town-on-Gorkhon; a forma que as pessoas conversam; o conteúdo dos diálogos; a atmosfera sinistra e suas próprias raízes com a cidade contribuem para um senso de impotência e desespero que vão deixar o jogador na beirada da cadeira.
E se essa creepypasta em forma de jogo não for suficiente para te deixar tenso espere até começar a parte de gerenciamento de recursos para a sua sobrevivência e a dificuldade de Pathologic 2 escala a níveis altamente punitivos.
Dias contados
O ciclo de tempo em Pathologic 2 é contado em dias e o seu personagem tem 12 para viver essa história e durante esse tempo é necessário encontrar aliados que te ajudem a montar esse quebra-cabeça psicótico, além de entender como curar as pessoas vítimas dessa misteriosa doença, e acima de tudo sobreviver.
É obedecido um ritmo circadiano, portanto existem ciclos e dia e noite e determinados eventos ou personagens só estão disponíveis durante um dos períodos e após a meia-noite as missões que não foram feitas ou personagens não encontrados ficam perdidos.
Já o balanço entre as mecânicas de sobrevivência é ao mesmo tempo simples, genial e cruel.
Se o seu personagem tem fome a saúde dele diminui e o fôlego fica mais curto, impactando diretamente na sua estamina, que influencia a movimentação.
Ao se alimentar para combater a fome, principalmente ao ingerir alimentos salgados, a barra de sede aumenta e com a sede vêm o estado de exaustão.
O jogador pode dormir para recuperar vigor e parte da saúde sem a necessidade de gastar recursos, mas ao fazer isso vai acordar, assim como na vida real, com fome e sede, além de perder preciosas horas do dia que poderiam estar sendo usadas para cumprir missões.
Contudo também não é recomendável ficar muito tempo sem dormir, já que isso afeta o estado físico do personagem.
Existe também um sistema de trocas bem simples, mas vital para a sua sobrevivência.
O jogador coleta objetos que podem ser trocados com outros personagens, principalmente por comida. Por outro lado, se assim como eu você for uma pessoa que tende a guardar tudo que pega para usar depois é fácil negligenciar essa mecânica.
Mas esqueça isso imediatamente, Pathologic 2 tem a sua própria forma de lidar com acumuladores: um inventário pequeno.
De uma forma bem similar aos jogos da série Resident Evil aqui existe um inventário modular, determinados itens ocupam 1 espaço, já outros podem ocupar 2, 4 ou mais, então a dica é não se apegar ao que não for necessário para manter a saúde de Burakh em dia. Faça trocas sempre que possível.
Eventualmente se alguma missão de NPC exigir que você tenha algum item é mais fácil encontrar este depois do que ficar o tempo inteiro carregando itens e ocupando o pouco espaço disponível no inventário.
Eventualmente com o decorrer dos dias é liberada a opção de aumentar o inventário, mas isso só quando a história está um pouco mais avançada e depende do jogador ter os materiais necessários para isso, o que pode demorar ainda mais.
Recursos limitados, vários sistemas dependentes uns dos outros e o tempo trabalhando contra já seriam desafios suficientes, porém existe um complicador ainda maior e inevitável: a morte.
E apesar dela não ser permanente ela vêem acompanha de uma consequência pesada para Burakh: Pathologic 2 fica mais difícil a cada morte.
Os sistemas que regem o físico do personagem são esgotados mais rapidamente e precisam de mais recursos para serem recuperados se você morrer muito.
Então em algumas situações é preciso tomar decisões “ruins” para outras pessoas pensando no bem de Burakh e evitar a sua morte, mas e depois? Essa ação vai ter um peso baseado nessa decisão?
Talvez sim ou talvez não. Cabe a você descobrir no decorrer da história e trilhar o seu próprio caminho.
Para piorar a situação quando a epidemia começa a se espalhar a própria movimentação pela cidade vai ficando mais custosa, você precisa ter remédios para manter a sua imunidade, que também são usados para tratar os pacientes, e esse nem sempre vai ser o caso.
O próprio sistema de criação de medicamentos e investigação do local no corpo que a infecção mais afetou é um capítulo a parte no quesito gerenciamento.
O jogador pode escolher entre uma investigação mais minuciosa para administrar os diferentes tipos de antibióticos, o que gasta mais itens, ou arriscar receitar um remédio no chute e manter preciosos recursos, sob o risco de piora do paciente.
E depois do começo o que vier vai começar a ser o fim
Lembra que no início do texto mencionei que esse segundo game teve um orçamento maior que o primeiro? Apesar disso ser verdade não quer dizer de modo algum que o jogo teve um orçamento invejável.
Pathologic 2 faa um balanço excelente entre mecânicas, história e apesar de ser possível enxergar toda a paixão colocada nesses dois quesitos, o aspecto técnico deixa bastante a desejar.
O gráfico não é dos mais bonitos e com certa frequência é preciso esperar que as texturas sejam carregadas. Se por um lado a própria estranheza desses visuais casa com a proposta do game, o que realmente me incomodou foram os loadings constantes.
A cidade é dividida em bairros e distritos e ao atravessá-los, mesmo que seja possível ver a rua logo a sua frente em um local aberto pode esperar que vai acontecer um loading.
Para entrar nas residências: loading. Para sair: loading.
E apesar desses serem bem rápidos, coisa de 3-5 segundos, a frequência com que eles acontecem faz com que a imersão seja quebrada imediatamente, ao menos para mim.
Não existe muito diálogo dublado e este ocorre basicamente durante a primeira interação em uma conversa com um NPC, então a maioria das interações e escolhas é feita através de texto. Pathologic 2 infelizmente não tem legendas em português nas versões de console e isso pode dificultar a compreensão da excelente história para quem não entende ou entende pouco de inglês.
O fato de ter sido traduzido do russo para o inglês também cria situações inusitadas em que algumas expressões que não possuem tradução ou da própria mitologia criada para o jogo dificultam o sentido de certas respostas.
Outro aspecto que deixa muito a desejar é o combate e infelizmente não tem como evitar ele em alguns momentos e para ser direto ao ponto eu só posso classificar ele de duas formas: impreciso e desnecessário.
As mecânicas de sobrevivência e de gerenciamento de inventário são excelentes e ao adicionar mais esse aspecto e considerando a forma como foi implementado só reforçam a ideia de que às vezes menos é mais.
Contudo, volto a reforçar que mesmo com todos esses problemas o que Pathologic 2 faz de positivo me levam a recomendar ele caso você goste de jogos de gerenciamento com elementos survival bem pesados ou se o que te prende a um game é a história, que nesse caso é interessantíssima, sombria, angustiante e cheia de paralelos com o mundo real, lendas e folclore.
É uma narrativa única, muito rica em detalhes e que me prendeu do início ao fim, tanto por sua estranheza como por suas reviravoltas e eu poderia escrever um texto só falando dela, mas tentei manter só pontos principais para que você possa saborear ela sem spoilers.
Já se você é o tipo de jogador que valoriza o desempenho técnico e gráficos de ponta acima de tudo talvez esse não seja o jogo ideal para você.
A análise de Pathologic 2 foi escrita com base em uma cópia de PS4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.