Análise SILT (PlayStation 4)

SILT é um jogo subaquático com quebra-cabeças e criaturas bizarras onde um mergulhador precisa desvendar um mistério que selará seu destino.

Nem mesmo jogos de terror conseguem me causar tanta agonia como jogos subaquáticos, digo isso porque na minha infância eu tive um “trauma” com uma fase do jogo Sonic chamada labirinto, e aquilo era totalmente terrível para mim por conta da lentidão do Sonic debaixo d’agua e para piorar começava uma contagem regressiva angustiante até eu achar uma bolha de ar para continuar vivo na fase e depois disso eu comecei a pensar duas vezes antes de jogar algum game desse gênero, por isso até hoje eu dispenso Subnautica pelos motivos citados acima. E após ter compartilhado o meu medo por apenas uma fase do jogo que se passa debaixo d’agua, eu me deparo com SILT, um game totalmente subaquático desenvolvido pela Spiral Circus onde iniciamos de uma forma nada legal. Nosso personagem está sob águas profundas e para piorar preso em uma corrente, tem coisa pior do que essa sensação?

Encarei SILT não só pela beleza do game mostrada no trailer como também uma forma de exorcizar definitivamente meu trauma de infância, dessa vez eu mergulhei de cara e mesmo em meio ao caos psicológico e o ambiente bastante assustador eu preciso te contar a minha experiência de forma mais pura e sincera, então vamos lá !

Antes de mergulharmos profundamente na escuridão nos deparamos com uma mensagem um pouco enigmática, mas que faz total sentido, já que o jogo não possui uma história, não segue nenhuma narrativa e principalmente nem sabemos o nome nem origem do nosso protagonista e muito menos o que ele está fazendo lá (posso estar errado, mas acho que isso pode ser uma ideia dos desenvolvedores mostrando que o mergulhador é o próprio jogador).

Preso em uma corrente na mais profundeza infinita, como você se libertaria ?

A mensagem:

“Nas profundezas infinitas, Titãs vagam sob as ondas e espuma quebrando, encontre-os e extraia os olhos deles, pois lá é o cerne dos seus poderes, há uma máquina em um sono pristino, desperte-a para selar seu destino.”

Como falei anteriormente, iniciamos o jogo com o mergulhador preso em uma corrente, eu movia o analógico e ele não demostrava nenhum sinal de ação que fosse capaz de se soltar, até que ao apertar um dos botões, o nosso personagem faz uma espécie de possessão psíquica com um ser marinho que estava nadando ao seu lado e a partir daí temos o total controle sobre ela enquanto o mergulhador parece estar sem consciência e nesse momento o peixe que estava nadando próximo ao seu corpo está sob o nosso comando para morder e quebrar a corrente que me mantinha preso.

Assim que o mergulhador é libertado da corrente, estamos totalmente livres nas mais infinitas profundezas com um estilo de arte linda de se ver totalmente monocromático que nos faz lembrar do jogo Limbo e as obras de Tim Burton com um ar Lovecraftiano, mas quem esta por atrás dessa magnífica arte visual é o artista surrealista Mr. Mead que impressiona com o visual e criaturas no decorrer do jogo. O início impressiona logo no segundo cenário onde vimos um coração em meio a um silêncio profundo escutando apenas os seus batimentos e o barulho do ar que sai do nosso mergulhador para logo em seguida no terceiro cenário me deparar com um cérebro que me fez rapidamente pensar que eu estava dentro de algum animal marinho gigante, e não é que eu estava certo, eu me deparava com uma cena linda do mergulhador saindo de dentro de uma espécie de peixe gigante com a boca aberta repleta de dentes afiados, a câmera propositalmente se distancia do nosso personagem e eu pude ver o quão pequeno somos em SILT.

Silt e seu poder de deixar desconfortável !

Assuma o controle das criaturas marinhas através da possessão psíquica!

Notei uma certa semelhança em alguns aspectos como solidão, tensão, monstros, angustia por não saber exatamente o que vem pela frente, a mesma sensação de desconforto encontrado em Limbo e Inside e principalmente os puzzles onde só progredimos após resolve-los, óbvio, mas SILT não é tão linear assim, não nadamos somente para frente encarando os desafios e o que tiver que vir, no jogo existem pontos centrais que nos conectam a outros locais de acesso, não vou dizer que vamos ficar indo e voltando, mas ele gera uma sensação mais livre do que os dois títulos mencionados.

O nosso mergulhador não possui uma variedade de mecanismos para interagir com o cenário e não existe nenhuma árvore de upgrade que eu pudesse melhorar os atributos ou coisas do tipo, muito pelo contrário o jogo avança da mesma forma que começou, mas o pouco que temos é de extrema importância para progredir no game, e com ele usamos uma lanterna que serve não só para enxergar melhor em locais de total escuridão como para a solução de quebra-cabeças em determinados momentos do jogo, podemos também nadar mais rápido para escapar de predadores marinhos em momentos de perseguição e o ponto alto do jogo que é a possessão de corpos entre as variadas espécies marinhas que encontraremos no decorrer da jornada (conseguimos assumir o controle apenas dos seres que de certa forma são necessários para o progresso do game, alguns inimigos são controláveis outros não). Confesso que são poucos recursos e isso me deixou um pouco angustiado, pois cada vez que avançada eu esperava encontrar algum tipo de arpão ou qualquer arma onde pudesse matar as criaturas bizarras que eu encontrava pela frente, mas depois de alguns momentos eu entendi a proposta do jogo que é totalmente voltada para a sensação de fuga, proteção, habilidade, observação do cenário e principalmente inteligência e descoberta.

Imerso na escuridão a lanterna é uma aliada não só para mostrar o caminho como também para resolver quebra-cabeças.

Você tem medo da escuridão profunda dos oceanos?

A jogabilidade de SILT é simples  e fácil de entender, mas requer cuidados, caso contrário morreremos por diversas vezes. A sensação de perigo contínuo é perfeita, pois, quando estamos sob o controle do mergulhador a maior parte do tempo nos deparamos com armadilhas, criaturas escondidas, ou camufladas em um cenário que faz um mix de vegetais secos e sem vida, com corais rochas e ruinas que impedem nossa passagem para outro lado até que entendemos o que deve ser feito para ela ser removida e assim continuamos avançando. O uso da lanterna é bom para chamar nossa atenção de criaturas que aguardam pacientemente a aproximação para dar um bote rápido, preciso e fatal no mergulhador, então é bom usar em ambientes fechados onde a chance de morte é iminente caso não perceba que você esta a poucos metros de uma criatura rápida e letal sem chances de defesa. Então é bom nadar sempre com cautela e usando uma ótima ferramenta do jogo que através do analógico direito podemos movimentar a tela para todos os lados tendo mais ou menos uma noção do que vamos ter que lidar.

Não pense que pelo fato do jogo ser subaquático, vamos controlar um mergulhador lento a ponto de deixar o jogo cansativo, não, em SILT os comandos são fluídos, fazendo uma sincronia perfeita com todos os ambientes em que passei e garanto que as mortes serão por culpa do jogador, seja ela por uma falha ou falta de atenção do que propriamente a imprecisão dos movimentos.

Criaturas bizarras desenhadas artista surrealista Mr. Mead.

“Titãs vagam sob as ondas e espuma quebrando, encontre-os e extraia os olhos deles.”

Após conseguir passar dos principais quebra-cabeças de cada cenário, enfrentamos uns dos Titãs que são criaturas bem mais poderosas do que todas as outras encontradas nas profundezas infinitas de SILT, elas são maravilhosamente bem construídas e ganham um destaque absoluto quando tomam praticamente grande parte da tela, dando uma sensação de que somos muito pequenos diante deles.

Como eu disse, não existe ação por parte do jogador, em SILT somos preza e não caçador, então a tarefa para vencer cada um dos Titãs são baseadas na inteligência de entender como funciona cada um deles e usar isso a nosso favor, só assim somos capazes de dar dano nessas criaturas, até derrotá-las e após esse momento de êxtase somos obrigados a usar o nosso poder psíquico com a criatura caída, e assim encerramos o cenário e aparecemos em uma espécie de biblioteca submersa onde no centro dela usamos o poder adquirido de cada um dos Titãs que derrotamos, logo em seguida somos contemplados com uma cena repleta de símbolos e ao final dela estamos no vazio absoluto onde temos que ir nadando com o mergulhador até achar uma nova área acessível que se abre assim que nos aproximamos e lá estamos no próximo cenário.

Horrível a sensação de indefesa quando um Titãs tomam conta de grande parte da tela.

Observar, planejar e executar!

O processo de progressão de SILT é o mesmo em todos os cenários, (total de quatro), o jogo continua seguindo a mesma linha do que vimos anteriormente, a diferença fica por conta da dificuldade dos quebra-cabeças e criaturas que são cada vez mais desafiadoras. Um momento em particular que eu gostei bastante foi onde encontrei espécies estranhas de plantas carnívoras que atacavam rapidamente sem chances de qualquer reação, eu obviamente tentei passar nadando rápido apenas por curiosidade, mas sabia que seria fatal, e foi, o jogo recomeça e eu percebo um tipo de espécie marinha soltando um líquido preto semelhante a de um polvo em fuga, e logo acima um cardume de peixes, cheque mate, usei a possessão psíquica em um dos peixes, ele por si só carrega todo o cardume, passei com eles no líquido e percebi que eles ficaram manchados e escorrendo esse líquido, imediatamente a ideia era passar com o cardume no local onde as plantas carnívoras estavam alocadas em bloco em um corredor e deixei cada uma delas comer os peixes com o líquido fatal, foi um momento muito gratificante e ali em meio a solidão e minha angustia nesse tipo de jogo, senti que eu estava no controle da situação, mesmo que simples foi genial!

Outra parte bastante interessante, é um onde encontramos uma árvore com passarinhos (isso mesmo, uma árvore com passarinhos dentro d’água) onde devemos achar e descobrir como pegar umas espécies de minhocas marinhas que grudam no capacete do mergulhador, mas não causam nenhum dano e continuamos com total controle do personagem. Após achar essas “minhocas” e desvendar esse quebra-cabeças, devemos voltar até a árvore e nos aproximarmos com o mergulhador até que uma das aces puxem a minhoca que capturamos e essa mesma fórmula é repetida algumas vezes com situações obviamente distintas umas das outras, até que alimentamos todas as aves da árvore e o quebra-cabeça é devidamente finalizado, existem momentos tão bons quanto esse, mas é você que irá descobrir, ok?

Esse quebra-cabeças…

Você vai querer mais horas de jogo…

Achei que todos os momentos de resolução no jogo funcionam de forma orgânica, sem excesso de repetições ou quebra-cabeças chatos, demorados e frustrantes de serem resolvidos, daqueles que deixam sua mente tão cansada que você prefere desligar o console e ir para outro jogo ou simplesmente desligar tudo, buscar outro meio de distração e retomar o game mais tarde ou até mesmo no dia seguinte, não, em SILT tudo beira a perfeição se não fosse o tempo curto de jogo, umas 6 a 7 horas de gameplay, apenas.

Mesmo havendo inúmeras partes tão interessantes como essa que pedem apenas um pouco de atenção para interpretar como tudo tem que ser feito, desde usando uma espécie de caranguejo com sua carcaça resistente para quebrar maquinas e abrir acesso a outros lugares, como também um tipo de água viva que se teletransporta entre locais que estão totalmente bloqueados ou momentaneamente bloqueados para fazer todo o trabalho pensado e abrir passagem para o nosso mergulhador avançar na sua jornada e encontrar a máquina que se encontra em seu sono pristino.

Vale mencionar que SILT é um game totalmente polido onde você consegue enxergar perfeitamente todos os detalhes do cenário sem haver algo mal feito, o game parece ter sido todo desenhado e pintado a lápis, em alguns momentos é possível ver uma terceira camada de fundo, ou seja, temos o cenário o fundo e mais uma terceira camada que da a sensação de que aquele pequeno espaço onde estamos com o nosso personagem é maior que estamos vendo, não é sensação de profundidade e sim de uma escala maior do que a que estamos, e é gratificante perceber esses detalhes que se tornam magníficos quando observados enquanto se contempla o cenário mesmo em meio ao perigo constante e armadilhas perigosas a todo momento.

O mergulhador já havia passado seu corpo para o caranguejo e usamos ele para acionar uma ferramenta em um dos Puzzles.

“A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo.”

—  H. P. Lovecraft

Se Limbo tem sons que condizem com os acontecimentos do jogo, seja no passo do personagem, arrastar um caule de árvore, sons de moscas em bichos mortos e tudo que podemos interagir com o cenário, SILT aborda um silêncio absoluto profundo onde é possível escutar apenas o mergulhador nadando com seus pés de pato e as bolhas de ar saindo pelo seu kit de oxigênio, dando uma imersão de solidão nas profundezas que se mescla com os sons rápidos das criaturas que estão preparadas para te devorar e raros objetos do cenário e seres marinhos.

Os efeitos sonoros são perfeitos pela proposta do jogo, mas o barulho do fundo do mar não é nada relaxante justamente pelo fato do game ser preto e branco, o que deixa o jogador muito mais alerta caso o game fosse colorido com criaturas reluzentes vistas em Beyond Blue, sendo este bem exótico e tranquilo de se jogar. Não que SILT possua monstros marinhos totalmente escondidos, porém é mais sombrio. Claramente existem criaturas que já identificamos assim que entramos em um cenário desconhecido, porém os mais perigosos são os que estão escondidos e que se camuflam com o cenário do jogo preto e branco.

E toma mais uma criatura bizarra com uma arte visual linda !

“Há uma máquina em um sono pristino, desperte-a para selar seu destino.”

A medida que eu avançava em SILT vinham os questionamentos, no jogo é possível encontrar corpos de outros mergulhadores e através da possessão psíquica eu conseguia liberta-los da mesma corrente em que eu iniciei o jogo, mas eu não sabia se aquilo ali era apenas um tipo de descoberta para um provável troféu, pois eu não ganhava nada com isso, mas ao mesmo tempo percebia que talvez eu estava encontrando mistérios esquecidos e que precisavam ser solucionados. Até que fui completando cada capítulo até enfrentar o último e mais poderoso Titã do jogo, sem muito esforço consigo derrotar e faço a possessão psíquica com ele e retornando para a tal “biblioteca ou grande salão” onde possuí uma espécie de portal com a marca de um mergulhador, pressiono com toda força o botão para liberar esse poder e finalmente vejo uma cutscene que também não conta nada, mas faz uma breve passagem pelos quatro cenários que me aventurei com o mergulhador e é aí que estava escondida a cereja do bolo, o final não precisa de explicações até porque somente o visual e o silêncio junto as letras de créditos subindo são capazes de mostrar o quão magnifico é a jornada em SILT e o motivo por trás de todo esse mistério, não só da mensagem no inicio do jogo como também a descoberta do nosso “eu” jogador/mergulhador.

A possessão psíquica é feita através de um raio de luz saindo da parte frontal do capacete de mergulho do protagonista.

“Não há nada de errado com um homem que quer recomeçar do zero.’

— O Farol

No meu ponto de vista, mesmo que possa passar despercebido, eu identifiquei que SILT não é apenas uma arte em forma de jogo, mas carrega consigo uma mensagem de perseverança e a capacidade de se adaptar em situações extremas de medo e estresse onde devemos usar nossa força interior para recomeçar e assim conseguir vencer tudo aquilo que possa tentar nos afundar até que tenhamos nossa liberdade!

Qual será o mistério que precisamos desvendar para selar nosso destino em Silt ?

Conclusão

Se você gostou de Limbo ou Inside, SILT é o irmão caçula dos jogos que geram uma sensação de desconforto, uma pena que sua campanha é curta e o game termina bem antes de você pensar que ele pode ser repetitivo, mas todo o esforço da Spiral Circus em entregar um game sombrio onde a natureza parece ter evoluído para umas formas bizarras jamais vistas na vida marinha te jogando em um abismo subaquático na imensidão da escuridão onde sua missão é descobrir os mistérios que foram esquecidos vale cada minuto. Mesmo sem explicação, a possessão psíquica do mergulhador com alguns seres marinhos para desvendas quebra-cabeças é uma ideia sensacional que se destaca e é muito bem aproveitada durante toda a campanha.

Se você for daqueles jogadores que gostam de prestar atenção em todos os detalhes, sinta-se honrado por ter a oportunidade de jogar um game onde o estilo e visual artísticos são feitos com o maior capricho onde níveis de camadas conseguem transformar um jogo 2D com uma profundidade absurda que em alguns momentos vai te fazer sentir um grão de areia em meio ao oceano, e com seus efeitos sonoros tornam a jornada ainda mais imersiva, cativante e contemplativa mesmo que em meio as armadilhas e criaturas bizarras presentes neste título.

SILT não apresentou nenhum bug ou inteligência artificial estranha durante a minha jornada, a jogabilidade é fluída e totalmente precisa, você não será punido por um defeito do jogo e sim por suas próprias atitudes e formas de pensar.

E para finalizar, voltando ao início quando mencionei que tenho traumas de infância com fases em que jogamos debaixo d’água, SILT não me fez mudar de ideia, eu continuo com a mesma angustia, nele não existe contagem regressiva para pegar oxigênio ou algo do tipo, mas a sensação e jogabilidade mais lenta não é o meu forte, porém terminei o jogo com a sensação de que meus medos deveriam mais uma vez ser testados e coincidentemente esse é um dos fundamentos do jogo no meu ponto de vista, logo, SILT entra para a lista de perguntas quando alguém recomenda um jogo desse gênero: “Você já jogou Limbo e Inside?” Agora temos mais um para desfrutar e eu te pergunto, já jogou Limbo e Inside? Independente se sua resposta for sim ou não, eu não vou fazer coro para você dar uma chance ao jogo e sim que você sinta a mesma experiência que eu tive em Silt, é praticamente um título obrigatório !

A análise de SILT foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.