Análise Superliminal (PS4)
Superliminal é um quebra-cabeças em primeira pessoa focado em ilusões de ótica e perspectiva forçada muito interessante, mas que poderia ser melhor.
Quando era criança pensei em seguir diversas profissões, sonhava com o dia que me tornaria cientista, mas depois de pensar muito cheguei a conclusão que o ideal seria escrever livros de mistério.
Obviamente, do alto dos meus 10 anos, eu não entendia nada sobre assassinatos, armas, venenos ou motivações que levariam alguém a se tornar um homicida. Então decidi que deveria buscar algo mais concreto e que me deixaria rico e famoso antes mesmo de ter meus primeiros fios de barba: eu me tornaria um mágico.
Minha mãe embarcava como podia nos meus sonhos, e apesar de sermos bem pobres na época, ela fazia de tudo para me ver feliz e lembro perfeitamente quando ela economizou por alguns meses para me presentear com um Show de Mágicas do Gugu no meu aniversário.
E nossa, como eu adorava aquela caixa de mágicas.
O grande problema de aprender como mágicas são feitas, mesmo as bem simples desse kit, é que um pouco da mística por trás da ilusão se perde para sempre, apesar de ainda ser muito legal treinar e refinar os truques e movimentos até ficar realmente bom em algumas.
E terminar Superliminal me fez pensar bastante no meu Kit de Mágicas do Gugu.
Perspectivas
O ponto em comum que Superliminal e o meu kit de mágicas dos anos 90 compartilham é que inicialmente os dois são incríveis e únicos, mas a falta de truques novos torna eles mais comuns do que deveriam.
Não entenda isso como uma crítica impeditiva, eu acho que vale muito a pena jogar Superliminal, e a forma com que ele brinca com perspectiva e ilusões de ótica para torcer e distorcer a realidade é fantástico.
O problema não é o conteúdo e sim a forma.
A quantidade de vezes que você precisa aplicar os conceitos iniciais de Superliminal fazem com que algo único e inventivo se torne simplório, e mesmo com mecânicas novas adicionadas ao longo do caminho, o game sempre retorna para soluções que envolvam o fundamento original.
E isso é uma escolha estranha, normalmente em puzzle games a curva de dificuldade vai aumentando a cada mecânica adicionada e o desafio passa a ser entender como fazer as funções trabalharem em conjunto ou qual combinação usar em cada situação. Mas não aqui, no título essas novidades são apresentadas, usadas na fase que estão contidas e depois raramente retornam para adicionar camadas à jogabilidade.
A mecânica central de Superliminal envolve interagir com um único objeto possível (algumas vezes esse número aumenta) de ângulos e distâncias específicas para que ele se torne maior ou menor de acordo com a perspectiva que ele estiver no plano de visão do jogador para que então possa ser usado para pressionar um botão ou criar estruturas que possibilitem a transposição de obstáculos.
Isso por si só é muito interessante, mas depois de aprender a manipular a perspectiva, entendendo que objetos ao longe ficam menores e itens cada vez mais próximos ficão maiores, o jogo se torna um passeio no parque: ao entrar em um cenário basta procurar qual o objeto passível de interação e então aumentar ou diminuir ele para alcançar uma porta ou brecha.
Gradualmente são introduzidas novas regras, cada uma mais interessante que a outra, mas o problema, como mencionado acima, é que elas são mal aproveitadas.
Por exemplo, em uma fase específica é introduzido a possibilidade de clonar objetos e então essa funcionalidade precisa ser combinada com a já consolidada perspectiva de encolhe/estica para achar a saída, todavia nos próximos níveis essa clonagem não é mais usada.
Em outra fase é preciso se posicionar para que desenhos 2D em paredes paralelas se alinhem e formem um objeto, esse item então pode ser “destacado” como um objeto tridimensional e usado para alcançar uma plataforma ou liberar o acesso a um corredor. Essa mecânica raramente será usada novamente em fases futuras e fica quase exclusivamente relegada aos colecionáveis do jogo, que muitas pessoas nem vão encontrar.
Em outro cenário Superliminal flerta com elementos de terror e o game fica bem sombrio, o que é uma surpresa e gera uma quebra de expectativa bem interessante, eu fiquei durante todo esse cenário esperando de onde viria o jump scare. Contudo esse conceito também só é usado nessa fase e nunca mais.
E esses exemplos pontuais se repetem com praticamente com todos novos fundamentos adicionados e seria excelente uma fase em que todos precisassem ser usados em algum momento, mas infelizmente isso não acontece.
Um sonho dentro de um sonho dentro de um…
Existe um motivo para que as fases sejam tão diferentes e desconexas entre si: tudo não passa de um sonho.
Você é uma cobaia (voluntária) em um projeto que oferece Terapia dos Sonhos em uma instituição que está testando uma nova tecnologia chamada SomnaSculpt para pacientes que tem dificuldade em dormir. Eventualmente algo dá errado nos protocolos e ao não conseguir acordar o jogador se vê preso em diferentes camadas dos próprios sonhos e precisa encontrar uma saída.
A narrativa se desenrola através de gravações deixadas pelo responsável pelo instituto, Dr. Glenn Pierce, espalhadas pelos cenários e que vão te explicando aos poucos sobre a sua condição especial e como eles estão trabalhando para trazer você de volta a realidade. Aparentemente a equipe não pode te acordar e você é quem precisa sair do seu labirinto mental sozinho e despertar.
Além do doutor, uma IA também se comunica com o jogador através de alto-falantes, mas a impressão que fica é que essa inteligência artificial não está do seu lado e em alguns momentos parece até trabalhar contra os seus esforços criando barreiras e reformulando protocolos.
Obviamente esses dois personagens com quem o jogador tem contato via gravações são inspirados em GlaDOS e Cave Johnson de Portal, e apesar do bom trabalho de dublagem eles não conseguem perto de ter o mesmo carisma e senso de humor dos referenciados. Ainda assim, ponto para o time da Pillow Castle pelo bom gosto em assumir a influência de um clássico atemporal, como Portal.
Existe uma mensagem final em Superliminal que me pegou de surpresa, e embora em outra situação talvez ela pudesse me soar um pouco forçada demais, em virtude da situação que o mundo se encontra ela pode ser algo que alguém goste ou precise ouvir nesses tempos difíceis.
E a minha mensagem final para você, caro leitor, é: jogue Superliminal.
Gostei do tempo que passei com ele mesmo com todos os problemas que apresentei neste review. Acredito que ele poderia ser muito melhor se as fases fossem melhores interligadas e se existissem quebra-cabeças mais desafiadores, mas, ainda assim, é um título muito bom que vale a pena se experimentado.
Superliminal foi desenvolvido e publicado pela Pillow Castle e lançado inicialmente em agosto de 2019 como exclusivo temporário da Epic Games Store. Com o final do acordo de exclusividade, o game foi relançado em julho de 2020 para PlayStation 4, Xbox One e Nintendo Switch e em novembro para Microsoft Windows através da loja da Steam, com legendas em português do Brasil.
P.S.: Uma dica para os trophy hunters que nos leem, a platina de Superliminal é um pouco difícil por conta de dois troféus de speedrun, em um deles é preciso terminar o game em menos de 1 hora e para o outro o requerimento é o real desafio: zerar em menos de 35 minutos.
Gravei um vídeo para o canal do YouTube do Conversa com a jogada em que consegui o troféu caso alguém se interesse e precise de um guia. E apesar de ter cometido alguns erros bobos, consegui fechar com o tempo necessário.
Detalhe: o vídeo tem mais do que 35 minutos porque os loadings não contam e resolvi deixar eles sem edição justamente para demonstrar isso.
A análise de Superliminal foi escrita com base em uma cópia de PlayStation 4 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.