Análise System Shock (PS5)

System Shock, um dos títulos mais influentes da indústria de videogames retorna 30 anos após seu lançamento original, desta vez nos consoles.

Arte de capa de System Shock, mostra SHODAN

System Shock, um dos títulos mais influentes da indústria de videogames retorna 30 anos após seu lançamento original, desta vez nos consoles. Mas o que podemos esperar de um jogo tão peculiar a ponto de o remake ter sido financiado coletivamente? Está à altura dos lançamentos de 2024? Envelheceu bem? Confira nessa análise!

Interface do jogo mostrando a seleção de dificuldade com opções: Combate, Missão, Cibernético e Enigma, cada um com níveis. A opção de gênero é 'Masculino'. A dificuldade destacada é "Cyber ​​(2): Normal".
É possível personalizar a dificuldade em System Shock

O jogo se passa em 2072 e controlamos uma Hacker sem nome (ou um hacker, depende da sua escolha), que após ser capturada por tentar invadir os sistemas da megacorporação TriOptimum, recebe uma oferta tentadora de ninguém menos que o vice-presidente da empresa. Para escapar das consequências da invasão (e com a promessa de obter implantes cibernéticos de última geração), a Hacker deverá invadir os sistemas da “Estação Cidadela” (Citadel Station – uma instalação espacial pertencente à TriOptimum e localizada na órbita de Saturno) e derrubar o sistema de moralidade de SHODAN, a IA que gerencia a estação. Claro que não havia a menor possibilidade disso dar certo, não é mesmo? Após 06 meses de recuperação, a personagem principal acorda da hibernação e apenas para descobrir que SHODAN assumiu o controle da estação e transformou todos os funcionários em mutantes ou ciborgues, além de colocar em prática seus planos para tornar-se uma deusa, logicamente às custas do extermínio da humanidade.

Uma figura holográfica vestida de terno fica no centro de uma sala futurista, emitindo um brilho azul. Uma caixa de diálogo na parte inferior da tela diz: "EDWARD DIEGO: Considere como um presente..." No fundo, um personagem do jogador segura uma arma.
Uma proposta irrecusável (o que pode dar errado?)

Com base nessa premissa, somos colocados em um jogo de combate em primeira pessoa, com uma atmosfera de horror que traz elementos presentes no jogo original e, de forma alguma, pega na mão do jogador para ajudá-lo.

Viagem no espaço (e no tempo)

System Shock, com perspectiva em primeira, mostra pessoa em um corredor de ficção científica, mostrando uma arma apontada para o chão. Existem corpos ensanguentados e não identificáveis ​​no chão, um mapa e um inventário visíveis no HUD.
System Shock foi pioneiro no horror espacial

Não há como imaginar System Shock em 2023/2024 sem pensar em como o jogo foi adaptado para as convenções atuais de jogabilidade. Afinal 30 anos atrás, o mundo mal sabia o que era um jogo de tiro em primeira pessoa que não fosse DOOM ou Wolfestein. Nessa perspectiva, System Shock se apresentava como algo diferente, com sistemas de interação com o ambiente em um nível detalhado, ao contrário da jogabilidade “arcade” dos demais FPS. Assim, deu origem ao chamado “immersive sim” (simulador de imersão, em português brasileiro), onde nem tudo é simples de ser realizado, por mais que as tarefas pareçam banais.

Essa característica foi mantida em e System Shock traz esses elementos que ficam explícitos na maneira que interagimos com os próprios itens utilizados pela personagem principal. Lanternas e escudos precisam ser ativados manualmente com interação no HUD; o gerenciamento de itens ocorre com mecânicas de “drag and drop” (segurar e arrastar) e a ativação de objetos, como teclados e máquinas, são realizados de maneira sistemática (primeiro coloca a moeda, depois escolhe o item e aperta o botão). Esse detalhamento da jogabilidade é capaz tanto de deixa o jogador absorto no jogo como afastar aqueles que não tem paciência para detalhes em aspectos irrelevantes do jogo. Contudo, acredito que essa é uma das assinaturas de System Shock, pois é capaz de distingui-lo de outras obras.

Uma visão em primeira pessoa do System Shock mostra um braço segurando uma arma futurística. Dois inimigos robóticos estão de cada lado, iluminados por luzes azuis, com uma tela verde no centro exibindo um rosto ameaçador. Os elementos do HUD do jogo ficam visíveis, incluindo uma mensagem
SHODAN não poupa ameaças.

No mais, a jogabilidade de tiro em primeira pessoa foi atualizada para estar à altura dos jogos atuais, obviamente, sem desprezar a característica retrô do jogo. Não veremos a personagem principal deslizando no chão ou usando um ataque corpo a corpo com uma complexa animação para eliminações furtivas, mas temos belas animações de tiro e combate em geral.

Se o combate é funcional e não atrapalha, a exploração da estação mostra-se um pouco mais complexa.

Como um jogo de 30 anos atrás, System Shock não indica onde devemos ir.  A única informação existente no jogo é que precisamos destruir SHODAN e que para isso precisamos subir os níveis da instalação espacial. Arquivos de áudio e texto estão espalhados pela base e nos dão as poucas informações existentes e ouvir/ler com atenção é obrigatório para descobrir o que fazer. Aliás, não é por acaso que “Citadel” parece um labirinto, mas você vai ter que encontrar o log de áudio que explica o motivo, hehehe.

Horror Neon

A característica opressora de uma estação espacial habitada por mutantes, robôs e ciborgues assassinos faz com que a atmosfera do jogo seja um primor em termos de horror espacial. A onipresença de SHODAN, que a todo momento faz questão de detalhar seus planos nada agradáveis para a humanidade, também dá o tom da aventura sombria de System Shock.

Os gráficos do jogo estão em um meio termo entre o retrô e o moderno, com uma arte pixelada em três dimensões belíssima. Mas quando eu digo bela, quero dizer deslumbrante mesmo. Aqui a desenvolvedora Nightdive Studios parece não ter poupado despesas, pois a representação visual de System Shock é de encher os olhos, além de traduzir muito bem o clima de perigo presente a todo momento. “Citadel” é colorida sem ser infantil, provando que uma boa direção de arte é muito mais valiosa do que a fidelidade visual fotorrealista que muitos esperam dos videogames.

O design dos inimigos também é excelente, traduzindo bem as ideias representadas na versão original do jogo, com  ciborgues, mutantes, corpos mutilados, robôs, animais e ameaças biológicas, todos prontos para matar qualquer um que queira impedir SHODAN de cumprir seus propósitos.

Uma perspectiva em primeira pessoa de um videogame de ficção científica que lembra System Shock mostra um corredor futurista mal iluminado com luzes neon vívidas em vermelho, azul e verde. O HUD do jogo exibe uma arma, barras de saúde e um minimapa na parte inferior da tela.
Não pode faltar uma shotgun em qualquer FPS que se preze.

No entanto, um detalhe que deixa a desejar é a falta de maiores explicações acerca dos sistemas de interação com os itens, pois o jogo não deixa muito claro quais botões precisam ser apertados para determinadas interações no inventário – o que revela uma má tradução das mecânicas de mouse e teclado para os controles de videogame. Fica aí o questionamento se a lacuna nas informações seria intencional para manter a simulação ou se trata-se de uma falha no desenvolvimento. Particularmente, acredito na segunda opção.

Falando em visual, também é necessário mencionar a interface do usuário. Os elementos na tela também trazem detalhes adaptados do jogo original para uma linguagem atual, mas buscando manter a essência da interação com a tela de 30 anos atrás. Um desses detalhes é a descrição dos itens que estamos enxergando, com um relatório sendo mostrado no topo da tela, simulando um implante neurológico implantado na protagonista.

Uma interface de System Shock mostrando um jogador segurando uma arma futurista. O heads-up display (HUD) detalhado apresenta saúde, munição e inventário em um interior de nave espacial de alta tecnologia, iluminado em vermelho e azul, com vários painéis de controle.
O gerenciamento do inventário de System Shock é uma característica trazida diretamente de 1994.

Mas ainda que os menus apareçam como algo atual, infelizmente a navegação mostra-se um pouco desajeitada, sobretudo no inventário, com suas limitações e regras de interação que às vezes não parecem fazer sentido.

Pesadelo Synthwave

Eu gostaria muito que esse tópico fosse uma metáfora para como o som do jogo é maravilhoso e evoca a atmosfera de terror cyberpunk em System Shock, mas a realidade é que a qualidade do áudio não acompanha o esmero do jogo.

A música, quando aparece, é quase inaudível, pois a mixagem de som está muito desequilibrada. Embora os efeitos sonoros sejam ouvidos claramente, assim como os logs de áudio encontrados pelo mapa, a música está muito prejudicada nesse lançamento. Tive que diminuir o volume dos efeitos sonoros e do ambiente para cerca de 70% para poder ouvir mais claramente a música do jogo que, ainda assim, passa longe de ser memorável. Uma pena, pois o tema futurista e a atmosfera de horror tão presentes no jogo seriam muito beneficiados por uma trilha sonora matadora. Espero que uma atualização melhore esse aspecto tão importante para a imersão no jogo.

Uma cena escura e futurista mostra um robô ameaçador com luzes verdes brilhantes. O texto em vermelho no centro diz: "COMO CIBORGUE, VOCÊ SERVIRÁ BEM À SHODAN." Abaixo, o texto verde do SHODAN no System Shock diz: "Sou grata por você ter decidido fazer esta escolha e se juntar a mim. Prometo que seu corpo será usado com eficiência".
Fim de jogo.

Conclusão

System Shock encontra-se em um meio-termo entre o retrô e o moderno. O visual apuradíssimo atualiza de forma competente a obra que inaugurou o que hoje concebemos como “immersive sim” e sem a qual não existiriam tantos jogos como Cyberpunk 2077, Alien Isolation e Watch Dogs (que bebem na fonte futurista) ou os celebrados Bioshock, Dishonored e Prey (simuladores de imersão por excelência).

Apesar do visual e da boa jogabilidade, algo ficou pelo caminho. System Shock não é um jogo ruim, mas talvez a adaptação com a manutenção de tantos elementos do jogo original tenha deixado o resultado, literalmente, obsoleto.

System Shock foi desenvolvido pela Nightdive Studios e publicado para PlayStation 4, PlayStation 5 e Xbox Series X/S em maio/2024 pela Prime Matter.

A análise foi feita com base em uma cópia digital de PlayStation 5 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do jogo.

Tiago Matias Escobar
Metaleiro não uniformizado. Cerveja, pizza, games e viagens ocasionais.