Análise The Callisto Protocol (PS5)
The Callisto Protocol é violento, visceral e grotescamente lindo, mas o foco na ação em detrimento ao survival horror pode decepcionar alguns.
Ano 2320. Calisto — segunda maior lua de Júpiter. Prisão de Ferro Negro.
O caos se alastra quando uma misteriosa epidemia atinge o complexo prisional de Ferro Negro transformando seus detentos em mutações grotescas, violentas e irracionais. Jacob Lee é um dos prisioneiros recém-chegados a essa penitenciária espacial de segurança máxima, e apesar de não ter ideia do que está acontecendo ele tem uma certeza: ele não tem intenção de morrer em Calisto. Não assim. Não sem lutar.
No papel de Jacob o jogador precisará se adaptar para sobreviver aos horrores de The Callisto Protocol. Será preciso abrir caminho por lugares infestados por aberrações em busca de novas armas, equipamentos e habilidades que te auxiliem a encarar os corredores labirínticos desta prisão em uma tentativa quase suicida de fuga desse inferno.
Tentativa essa que pode ser frustada a qualquer momento da sua jornada de formas brutais pelas mãos das monstruosidades que a desenvolvedora Striking Distance impiedosamente colocou no caminho de Jacob. A verdade por trás do que acontece por baixo dos panos em Ferro Negro não pode ver a luz do dia e, consequentemente, nosso protagonista com voz de cigarro também não. Cabe a você conseguir reverter isso. Mas não será fácil.
Outra coisa que não está sendo nada fácil — não para Jacob, mas para mim — enquanto escrevo e penso sobre este review, é admitir que eu esperava ter gostado incontestavelmente de The Callisto Protocol, mas dessa vez esse não foi o caso.
Talvez o maior monstro aqui não seja um dos que são apresentados no jogo, mas um que circulou ao redor dele durante quase dois anos: o monstro da expectativa.
Veja bem, sempre fui crítico a análises, reviews ou ensaios em que o responsável pela crítica analisa um produto baseado no que ele esperava que esse produto fosse, e deixa de considerar e entender o que de fato ele é. Sendo uma pessoa de princípios, não pretendo fazer o que sempre critiquei, afinal não sou hipócrita — pelo menos não na maior parte do tempo. Analisarei The Callisto Protocol pelo que ele é. E ele não é o que me venderam que ele seria. Não exatamente.
Entretanto, antes de continuar quero deixar claro também que, apesar desse último parágrafo dar a entender o contrário (um pouco de propósito), eu gostei do jogo. Só acho que ele poderia ter sido muito melhor se conseguisse sair da sombra de Dead Space ou, pelo contrário, se ele fosse um pouco mais como Dead Space. Contraditório, não é!? Mas você entenderá meu ponto em breve. Mas antes, um pouco de história dos videogames para contexto.
Enquanto a série Resident Evil — uma das franquias absolutas do gênero survival horror — começava a direcionar seu foco mais para a ação em detrimento ao horror a partir de Resident Evil 4, em 2005, um time de desenvolvedores da EA Redwood Shores (depois Visceral Games), liderados por Glen Schofield, criaria um marco para o terror espacial e também para o survival horror como um todo com o lançamento, em 2008, de Dead Space. O resto como dizem por aí é história.
Uma história que também não teria um final feliz aos olhos dos fãs do gênero quando as sequências da franquia caminhavam para os mesmos “erros” que Resident Evil 5 e, especialmente, Resident Evil 6 cometeriam: abandonar a tensão, o horror e o medo puro e simples para focar nas sequências de ação cada vez mais grandiosas e menos claustrofóbicas, que eram a base do primeiro jogo.
Dessa forma, quando foi anunciado que Glen Schofield, Steve Papoutsis, também co-criador de Dead Space, e diversos outros desenvolvedores envolvidos no projeto original de 2008 criariam uma nova IP que — apesar de não ter sido anunciada diretamente assim — tinha toda cara, jeito, cheiro, gosto e gingado de Dead Space, não existia a menor possibilidade que os milhões de fãs ansiosos por algo ligeiramente parecido com as desventuras de Isaac Clarke não ficassem empolgados. Eu incluso. Afinal, The Callisto Protocol não se parecia ligeiramente com Dead Space. Ele era Dead Space. Com outro nome, em outro estúdio, mas no final do dia ele era isso. Pelo menos até ser lançado.
Foi nítido que todo marketing envolvendo o jogo, e a cobertura pela imprensa, direcionavam para essa comparação e para o apelo nostálgico. Schofield chegou a admitir que ele não fugiria de boas ideias do passado e que não tinha medo usar coisas que ele desenvolveu antes, afinal as similaridades entre os dois games viriam do fato deles terem o mesmo criador. E nesse ponto que, pelo menos na minha opinião, The Callisto Protocol perde a oportunidade de ser um game excepcional como Dead Space foi, para ser um jogo “apenas” bom, que parece não ter tido espaço suficiente para sair do seguro e tentar coisas novas.
E aqui deixo mais um parênteses: nem todo jogo precisa avançar a indústria e elevar a barra de como videogames são produzidos, dirigidos ou atuados. Um bom game precisa divertir, contar uma boa história, surpreender, te fazer pensar fora da caixa, dentro da caixa, escondido em uma caixa (se você se chamar Kojima) ou mesmo frustar o jogador. Em resumo, ele precisa causar emoções, que provoquem interesse, sejam sentimentos positivos ou negativos.
E The Callisto Protocol me causou muitas dessas emoções positivas com o seu visual incrivelmente realista, a iluminação das cenas e objetos feitas de forma magistral, sua violência brutal cheia de detalhes de fazer embrulhar o estômago, a ambientação opressiva de Ferro Negro e a forma como os efeitos e trilha sonora foram trabalhadas, causando tensão a cada novo passo. Nas suas três primeiras horas ele conseguiu provocar uma impressão tão ou até mais impactante que Dead Space me causou no passado.
Ajuda muito na imersão e no interesse pela história as excelentes performances dos dubladores em inglês. Jacob é interpretado por Josh Duhamel, que você deve conhecer pela franquia de filmes Transformers; Karen Fukuhara, da série The Boys é Dani Nakamura e Sam Witwer, a voz de Deacon St. John de Days Gone, dá vida ao odioso Capitão Leon Ferris. E, apesar desses serem os nomes mais conhecidos do elenco o trabalho dos personagens coadjuvantes também é estelar, com destaque para Zeke Alton como Elias Porter e James Mathis III como o diretor da prisão, Duncan Cole.
Mas, depois de um começo frenético e interessante, de repente ele para de apresentar coisas novas e começa a se repetir até quase o final do jogo.
E quando você retira o elemento surpresa de um jogo de survival horror e coloca o protagonista em pé de igualdade com os inimigos contra quem ele deve lutar, não tem gráfico grotesco, efeito sonoro ou ambientação que segurem a tensão necessária para você sentir o básico da cartilha do gênero: medo. Assim como Resident Evil 5, como representante do survival horror The Callisto Protocol é um excelente jogo de ação. Com certeza, algumas pessoas que preferem essa vertente mais voltada para a porradaria vão adorar ler isso, mas eu a escrevo como crítica.
No terço final quando o game volta a introduzir novos inimigos, elementos de furtividade e abre novos cenários, ele fica novamente muito interessante tal como no início, mas o combate continua exatamente o mesmo desde o começo, o que desanima um pouco. Você pode, e deve, evoluir suas habilidades porque sem elas sobreviver é mais penoso mas, basicamente, o primeiro inimigo que você enfrentou não vai ser muito diferente dos últimos quando o combate começar. E para um produto com 10 horas de campanha essa falta de variedade pesa.
No começo desse texto escrevi que ele poderia ser muito melhor do que é se fosse totalmente diferente de Dead Space ou o mais similar possível, lembra!? Pois é, onde ele é parecido ele brilha e onde tenta fazer diferente ele falha. E o combate, o ponto mais diferente em relação a sua inspiração, é um dos motivos que fazem ele não alcançar essa excelência.
Dead Space tem uma variedade de inimigos incrível, as armas tem efeitos e formas de jogar totalmente diferentes e, mesmo com todos recursos disponíveis você não se sente seguro em nenhum momento. Aqui você tem armas distintas mas que não parecem nada variadas, porque causam o mesmo impacto. Seja a pistola inicial ou a escopeta, o efeito de um tiro é quase o mesmo, e funcionam basicamente como um elemento secundário já que o foco — exceto para o único Chefão do jogo e os poucos sub-chefes — é o combate corpo a corpo.
Em resumo se você manter o direcional para um lado (qualquer um) é possível desviar automaticamente do primeiro ataque do inimigo; se ele atacar uma segunda ou terceira vez, basta movimentar o analógico para o lado oposto ao que você escolheu em um primeiro momento e depois para a posição inicial no caso de um terceiro ataque, aí você pode começar sua sequência de golpes, que normalmente serão um combo de 3 ataques e um tiro rápido com sua arma de fogo.
Inicialmente a impressão que é que o combate é difícil e tático; que você precisa desviar no sentido oposto ao golpe do inimigo, o que nem sempre seria fácil de prever e reagir, mas que adicionaria complexidade aos encontros, mas não. Como mencionei, não importa a direção do ataque, é preciso apenas mexer o analógico para um lado e depois para o outro. Isso anula completamente o sentimento de tensão e desafio quando você entende como a mecânica funciona. E, como diria o Chaves do 8: o verso é repetido 44 vezes, ou até que você consiga matar o monstro.
Isso por si só não seria de todo ruim, mas quando todo encontro pode ser resolvido dessa forma fica cansativo, mesmo em um jogo curto.
Para tentar equilibrar a balança, The Callisto Protocol introduz — naquelas primeiras horas que mencionei como as melhores do jogo — uma luva magnética chamada GAR, e com ela é possível agarrar inimigos e lançá-los em armadilhas do cenário para matá-los imediatamente, ou ainda puxá-los em sua direção para ganhar alguns golpes grátis. Isso de certa forma quebra um pouco da mesmice do combate e adiciona um toque de estratégia que o combate melee por si só não tem.
O problema é que a GAR básica tem muito pouca energia e no momento em que você a libera é muito provável que já tenha gasto seus créditos evoluindo o bastão de choque ou a pistola, o que faz com que a luva pareça inútil e inviável por um bom tempo até que acumule recursos para aumentar a duração da sua bateria, força de empuxo e de lançamento.
Dessa forma, não existe incentivo imediato suficiente para essa variação no combate se o jogador não quiser, já que é mais fácil resolver tudo com o combo básico desvia, bate, atira. Mesmo assim, recomendo que você dê uma atenção especial às melhorias dela, porque como mencionei ela irá apimentar as coisas e tirar um pouco dessa repetição do combate.
Se você for um jogador que explora bastante, a partir da metade do jogo, mais ou menos, os recursos se tornam mais abundantes e é possível melhorar por completo as armas que combinam mais com o seu estilo e se preparar para o combate final. E já aviso, não vai ser fácil.
Vale a pena?
Eu gostei de The Callisto Protocol, mas como mencionado eu estava de coração aberto e disposto a amá-lo. E no final como isso não aconteceu, o sentimento que ficou foi um pouco mais amargo do que seria caso eu não tivesse gostado de nada nele. Entretanto, creio que apresentei argumentos suficientes sobre o que considerei seus pontos positivos e negativos.
Meu trabalho só é bem feito quando faço você, caro leitor, pensar e então decidir por si mesmo se vale a pena dar uma chance a algum jogo. E é por isso também que não damos notas para os jogos aqui no Conversa, porque nossos reviews são subjetivos e centrados na experiência que tivemos com determinado game, já números são objetivos e por sua natureza simplistas, diretos e acabariam por reduzir nosso trabalho a um número igual a vários outros números por aí.
Eu esperava um survival horror e recebi um jogo de ação com elementos de horror, e sei que isso tem grandes chances de ser exatamente o que outras pessoas querem e o ponto que elas mais gostem nele. E, apesar das minhas críticas, pela forma com que The Callisto Protocol termina só consigo pensar em uma coisa: quero uma sequência dele o quanto antes, e espero que ela consiga me surpreender e agradar mais.
A diferença é que dessa vez vou conseguir levar a melhor na luta contra o monstro da expectativa. Ou talvez não.
A análise de The Callisto Protocol foi escrita com base em uma cópia de review gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series S|X e para computadores via Steam ou Epic Games Store.