Análise Watch Dogs: Legion (PlayStation 4)
Watch Dogs: Legion mantém o excelente trabalho do jogo anterior e adiciona elementos interessantes em uma história que toca em temas bastante polêmicos.
Quando foi lançado, em 2014, o jogo Watch Dogs original trouxe à tona temas complexos em um exercício de imaginação futurista, mas foi cercado de polêmicas pelos motivos errados. Em Watch Dogs 2, a Ubisoft pegou o que havia de melhor no jogo original e levou tudo a um novo patamar. Watch Dogs deixou pra trás a ambientação sisuda de Detroit e o protagonista projeto de Batman, Aiden Pearce e nos apresentou a Marcus Holloway e ao time DedSec de San Francisco com jovens idealistas lutando contra grandes corporações, notadamente a Blume. Superar o conjunto de ótimos elementos de Watch Dogs 2 não é tarefa fácil, mas Watch Dogs: Legion consegue.
Ficção e a realidade se encontram
Desenvolvido pela Ubisoft Toronto, Watch Dogs: Legion inicia com agentes do DedSec londrino tentando impedir uma explosão gigantesca no Parlamento inglês, planejada pelo terrorista chamado Zero Day. Após tudo dar errado, múltiplas localidades tornam-se alvo de ataques terroristas, executados com sucesso. Apontados como os responsáveis, o DedSec é perseguido e desmantelado. aLondres agora conta com força policial terceirizada: a Albion. Para manter a resistência viva, A única sobrevivente do coletivo hacker, Sabine Brandt precisa recrutar novos integrantes, liderando a revolta dos cidadãos contra a opressão da Albion, comandada por Nigel Cass ao mesmo tempo que tenta descobrir quem é Zero Day.
Logo de cara percebemos que Watch Dogs: Legion não segura a mão no roteiro e inclui temas complexos, a começar por apresentar um atentado terrorista na capital da Inglaterra e quais as consequências da intervenção privada na segurança para o povo londrino. Não faltam elementos narrativos, como textos, diálogos, logs de áudio e podcasts que trazem o panorama sobre a atuação da Albion e o alto custo que isso representa à liberdade dos ingleses.
Os elementos visuais são os que mais chamam a atenção no aspecto narrativo. A propaganda massiva da Albion pode ser vista em qualquer direção que se olhe e todos os principais pontos turísticos de Londres trazem a logo da empresa. Além da presença no inconsciente coletivo, em todos os lugares existe um agente da Albion vigiando a população e fazendo checagens aleatórias que quase sempre resulta em pessoas sendo agredidas à luz do dia por aqueles que deveriam protegê-los.
Conforme avançamos na campanha, vamos descobrindo as verdadeiras intenções de Nigel Cass e da Albion, assim como a íntima ligação das forças privadas de segurança com o crime organizado, aqui representado pelo Clã Kelley e sua chefe Mary Kelley. Além dessa camada mais superficial (por assim dizer) do enredo, Watch Dogs: Legion também mantém a tradição da franquia em abordar problemas sobre privacidade, vigilância e os problemas que vêm junto da inovação tecnológica. Tudo isso com uma dose de humor inglês, na figura de Bagley, um assistente virtual onipresente (como a Siri, Alexa ou Jarvis) modificado pelo DedSec que acompanha os personagens por todo o jogo.
Eu não esperava que a Ubisoft pudesse lidar com esse tipo de questões relevantes de maneira tão direta, sobretudo após algumas polêmicas recentes, mas Watch Dogs: Legion segue o caminho clássico já trilhados por outras tramas e franquias nos videogames e cinema (por sua vez inspirados na história do século XX), colocando grandes forças militares e regimes totalitários como ameaças que devem ser combatidas.
Melhorando o que já era bom
Se o enredo da campanha em Watch Dogs: Legion é bacana, o gameplay também não decepciona. As mecânicas introduzidas em Watch Dogs 2 ainda permanecem no jogo, como por exemplo, o uso de armas não letais e drones para ajudar no planejamento das missões e localização de itens. A “visão de hacker” que mostra quais são os aparelhos que podem ser invadidos agora não é mais permanente e funciona como um pulso que revela os pontos dentro da área de alcance, como câmeras e drones. As melhorias de habilidades agora é representada por uma lista de características e benefícios que podem ser desbloqueados (e melhorados) com pontos, sem a necessidade de localizar chaves de ativação como no jogo anterior.
O mapa de Londres é dividido em bairros/distritos que, em geral, não gostam e não dão suporte ao DedSec. Devemos lançar mão das práticas de propaganda e hackeamento do DedSec para divulgar informações à população e ganhar a confiança dela aos poucos, o que rende como recompensa um agente com habilidades especiais para o DedSec. Mas falarei sobre o recrutamento de agentes mais a frente.
Os agentes do DedSec não mais possuem drones próprios disponíveis o tempo todo (o drone-aranha pode ser equipado, mas como uma habilidade e não como item) então podemos invadir um dos muitos drones do ctOS que está sempre vigiando tudo que acontece em Londres. O ponto negativo em relação aos aparelhos fica com o posicionamento estratégico dos drones-aranha que convenientemente sempre estão próximos a um objetivo inacessível e com alta segurança, facilitando muito a vida do jogador.
Além dos drones de monitoramento, Watch Dogs: Legion apresenta uma nova mecânica com drones de carga enormes que podem carregar o jogador para lugares altos ou dar aquela força para fugir de uma área restrita. Também retornam os guindastes e elevadores móveis que já estavam presentes no jogo anterior.
Tiro, porrada e bomba
O combate no jogo continua interessantes, sobretudo nos ataques corpo-a-corpo, com animações que passam a sensação muito satisfatória de socar os inimigos. E falando nisso, Watch Dogs: Legion traz um sistema de luta, tal como o existente em na franquia Assassin’s Creed, ainda que simplificado. Podemos socar, quebrar a guarda do adversário e esquivar dos ataques. Inclusive os inimigos tendem a manter o perfil de ataque não-letal enquanto mantivermos as armas devidamente guardadas. Caso contrário, prepare-se para iniciar o combate caótico contra agentes da Albion e drones militares, tudo ao mesmo tempo.
Se você é do tipo que prefere uma abordagem mais explosiva no gameplay, fica o aviso: nem todos os personagens possuem arma de fogo. Na verdade, o armamento padrão dos DedSec são não-letais, como tasers e armas corpo-a-corpo, então para ter acesso a uma arma tradicional, devemos primeiro encontrar uma pessoa que tenha acesso a ela e geralmente é apenas um tipo de arma. Nada daquela roda de armas estilo Grand Theft Auto com 3 tipos de pistolas diferentes, um rifle e uma bazuca. A boa notícia é que soldados da Albion, inclusive de elite, podem ser recrutados pro DedSec, trazendo seu arsenal junto.
Rebeliões são construídas sobre a esperança
A grande novidade, a cereja do bolo de Watch Dogs: Legion está no sistema de recrutamento de agentes para o DedSec. Basicamente, o jogo não possui um protagonista fixo e podemos jogar com qualquer pessoa que encontrarmos, bastando usar a clássica mecânica de perfilamento que existe desde o primeiro jogo. Com ela podemos verificar quais habilidades e armas cada NPC possui e adicioná-lo à lista de candidatos de integrantes no DedSec, mecânica que parece colocar uma espécie de Pokemon Go em Watch Dogs. Além de ser divertido, é essencial ficar de olho no máximo de pessoas possíveis pois algumas delas possuem habilidades extraordinárias, como um matador de aluguel, um hacker super habilidoso ou mesmo um agente do MI6!
Para que os personagens se juntem à causa, precisamos resolver alguma demanda simples deles, como buscar documentos secretos, salvar amigos na prisão entre outros. Uma das coisas mais interessantes é que cada NPC possui sua própria rede de relacionamentos e contatos e assim, ajudando um desses contatos, ganhamos a confiança e o personagem vai aceitar se juntar ao coletivo hacker. Os novos membros do DedSec podem ser presos (ficando indisponíveis por um período de tempo) ou até mortos de forma definitiva o que pode ser ativado logo no início do jogo, independentemente da dificuldade selecionada.
É assim que desbloqueamos novas habilidades, com o recrutamento de novos integrantes. Curiosamente, essa mecânica não me afastou da conexão com os personagens, pelo contrário, é como se eu estivesse em um RPG com uma party de 10 personagens, cada um com sua classe e habilidades próprias (guardadas as devidas proporções, é claro). Um trabalhador de construção civil pode ingressar em canteiros de obras sem alertar os guardas, por exemplo. O mesmo ocorre com agentes da Albion ou integrantes do Clã Kelley que podem infiltrar-se em locais restritos sem chamar atenção em momentos dignos da franquia Hitman. Aqui deixo uma dica: recrutar pelo menos dois membros de cada classe, pois se um deles for preso (ou morto, se o permadeath for ativado), outro agente pode ser ativado, sem prejudicar muito o foco na missão.
A ideia de que qualquer cidadão londrino pode ser membro secreto do DedSec é um daqueles casos em que a mecânica do jogo se harmoniza perfeitamente com a história que está sendo contada. No entanto, não é verossímil que qualquer pessoa saiba hackear tudo que vê pela frente e possa entrar em luta corporal com agentes da Albion. Ainda assim, na minha experiência, Watch Dogs: Legion ganhou um inesperado (e muito bem-vindo) elemento de roleplaying, juntamente com o desafio tático de não poder utilizar quaisquer itens, devido às limitações dos personagens.
Existem também peculiaridades em relação ao recrutamento. Cada pessoa tem um ponto de vista em relação ao DedSec e aqueles que desaprovam o grupo ainda podem ser recrutados, mas convencê-los vai damandar um trabalho extra. As pessoas que já não gostam do DedSec podem passar a odiá-los se forem nocauteadas durante confrontos e não mais podem ser recrutadas. Outros tipos de interações ocorrem entre os NPCs independentemente das nossas ações. No meu caso, um possível candidato não podia mais ser recrutado pois tinha falecido. Simples assim. Também pude encontrar duas ou três vezes o mesmo NPC que de tanto apanhar, tornou-se inimigo declarado do DedSec e acabou por sequestrar um dos membros do grupo. Esses detalhes tornam a experiência de Watch Dogs: Legion envolvente, pois o mundo criado pela Ubisoft parece realmente vivo e dinâmico
London Calling
Para apresentar essa miríade de características e mecânicas, Watch Dogs: Legion vem embrulhado em um belo pacote, mas que poderia ser melhor. A cidade de Londres é apresentada com toques de ficção cientifica em um futuro próximo e impressiona pela construção realista (no sentido de ser crível). Elementos futuristas como drones de todo tipo sobrevoando a cidade e carros autônomos coexistem com a arquitetura vitoriana e bairros decadentes. Como eu disse no começo do texto, o jogo não usa de sutilezas para mostrar Londres tomada pelo militarismo ostensivo representado pela Albion que exibe suas armas e propagandas por toda parte. A representação visual do momento dramático vivido pela capital inglesa é certeira. O design de som é competente e ajuda na construção do futuro projetado no jogo.
No entanto, alguns negativos me chamaram a atenção, como alguns diálogos que soam muito forçados, sobretudo em português. Inclusive, o jogo está todo traduzido para o português brasileiro, com dublagem de todos os personagens, o que é um padrão da Ubisoft no país. Mas se por um lado a dublagem é competente, por outro o texto me incomodou com o uso de gírias em uma fala pouco natural. Ainda assim, jogar em português e importante para tentar absorver o máximo de informação em áudio do jogo, sobretudo os Podcasts nas rádios. Falando nelas, as rádios são interessantes, mas nada muito maravilhoso e dessa vez, só podemos ouví-las enquanto estivermos dentro do carro (sem app de música no celular dessa vez).
Quanto aos gráficos, eles poderiam ser melhores. Não que Watch Dogs: Legion não seja bonito, mas nota-se que ele foi construído para os próximos consoles Xbox Series S/X, PlayStation 5 e PCs modernos, de modo que mesmo rodando no PlayStation 4 Pro, o jogo sofre com algumas texturas borradas e ausência de efeitos de iluminação mais modernos, sobretudo no rio Tâmisa, que por vezes se parece apenas com borrão. O jogo poderia ser deslumbrante e do meu ponto de vista, não é por problemas do jogo em si, mas pela incapacidade do hardware dos consoles atuais em entregar os detalhes gráficos que foram desenvolvidos para a próxima geração.
A performance do jogo é ótima, sem quedas aparentes de frame-rate (pelo menos na minha percepção de jogador de console) ou bugs, mas ocorreram dois crashes enquanto eu jogava. Não duvido que logo cheguem atualizações para corrigir, seja lá o que tenha acontecido.
Enfim, vale a pena?
Watch Dogs: Legion procura manter aspectos fortes da franquia e inova de maneira corajosa ao remover um protagonista fixo, para podermos controlar qualquer pessoa que estiver no jogo, praticamente apagando o conceito de “personagens não jogáveis”. Se parecia muito difícil superar o jogo anterior, a Ubisoft fez um trabalho competente e mantém a franquia em alto nível, inclusive com a inclusão de temas fortes e muito atuais como manipulação da informação por meio de notícias mentirosas, imigração, totalitarismo e ativismo social, entre outros muitos aspectos abordados, fazendo da narrativa do jogo algo rico e complexo.
Com um gameplay já consolidado nos jogos anteriores e a apresentação de uma Londres distópica muito próxima da nossa realidade, Watch Dogs: Legion se mostra um jogo essencial para o final dessa geração de consoles, ainda que se possa tirar melhor proveito das inovações gráficas e de desempenho apenas no Xbox Series X, PlayStation 5 e PC.
Watch Dogs: Legion foi lançado em 29 de outubro e está disponível para Xbox One, PlayStation 4, PC, Stadia e também estará disponível para Xbox Series S/X e PlayStation 5.
A análise do jogo foi feita com base em uma cópia digital gentilmente fornecida pela assessoria de imprensa do jogo, rodando em um PlayStation 4 Pro.
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