Do lançamento desastroso à redenção: Vale a pena dar uma chance a Star Wars Battlefront 2 em 2020?
Star Wars Battlefront 2 foi um dos lançamentos mais controversos do mundo dos games. Agora após várias atualizações será que vale a pena conferi-lo em 2020?
Em 2019 quando fui convidado a escrever para o Conversa de Sofá fiz uma brincadeira dizendo que toparia o desafio se um dia pudesse escrever sobre Star Wars Battlefront 2 da Electronic Arts.
E como toda brincadeira tem um fundo de verdade, finalmente para a minha satisfação esse dia chegou.
Porém as circunstâncias em que esse texto está saindo não vêm acompanhadas de boas notícias para os fãs do game.
No dia 27 de abril de 2020, após quase 2 anos e meio de atualizações constantes, o Diretor Criativo do jogo, Dennis Brännvall, anunciou que o último update seria a Batalha de Scarif e que sairia no dia 29 de abril.
Inspirada em Rogue One essa é a 25ª atualização do game e traz além de um mapa novo, novas aparências para os personagens e a notícia de que agora todos os mapas do co-op online poderão ser jogados offline, até então apenas alguns estavam disponíveis.
Mas por que eu queria tanto falar de um jogo que não é novidade para ninguém, lançado em 2017 e que é tão mal falado?
Porque Star Wars Battlefront 2 teve um lançamento (merecidamente) desastroso por conta de um sistema de progressão que praticamente obrigava o jogador a gastar mais dinheiro se quisesse aproveitar um produto que já havia comprado por preço cheio, mas que tem uma história fantástica de redenção em um curto espaço de tempo.
Depois de muitas críticas da mídia especializada e público, pressão de parceiros comerciais e obviamente prejuízo, a EA foi obrigada a rever a sua estratégia para o título e eliminar todos os elementos pay to win e recriar do zero todo o sistema de evolução dos personagens.
Com isso Star Wars Battlefront 2 conseguiu pouco a pouco dar a volta por cima e se tornar desde o início de 2018 o excelente jogo que ele deveria ter sido desde o começo.
Evidentemente como o estrago já havia sido feito muita gente ainda acha que ele é o produto abominável que a EA tentou empurrar goela abaixo de milhões de jogadores no mundo todo no final de 2017 e que mudou para sempre a indústria dos videogames.
Esse artigo detalha como a paixão de desenvolvedores por Battlefront 2 somado a uma comunidade engajada e uma boa dose de fracasso de vendas fizeram dele um dos melhores jogos de Star Wars já lançados.
A aposta que não deu muito certo
Dois mil e quinze foi um excelente ano para os fãs de Star Wars, em dezembro iria ser lançado O Despertar da Força e com o hype do filme nas alturas a franquia tinha voltado a ser celebrada e comentada no mundo inteiro.
Aproveitando essa expectativa, um mês antes do filme chegar aos cinemas a EA em parceria com a LucasArts lançou Star Wars Battlefront, primeiro jogo da série em 10 anos.
O game conseguiu vender 13 milhões de cópias em 4 meses, números considerados pela EA como fracos frente ao poder popular da franquia.
Parte dessa decepção da EA pode ser atribuída a como o público e crítica receberam Battlefront: apesar de lindíssimo e ter uma trilha e efeitos sonoros que deixaram todos os fãs maravilhados, ele parecia um shooter genérico, tinha poucos mapas e não tinha campanha single player; Nada disso foi perdoado em nenhum review e a nota no Metacritic ficou na casa dos 75 pontos.
Para Battlefront 2 o plano da EA era contornar todas essas críticas criando uma campanha centrada em uma personagem feminina membro de um grupo de pilotos de Elite do Império chamado Esquadrão Inferno, acrescentar modos multiplayer mais variados, um número maior de mapas, vários personagens de diferentes eras do universo Star Wars para as batalhas online, além de promessas de atualização com conteúdos do filme Os Últimos Jedis, que seria lançado em dezembro de 2017, repetindo a estratégia de marketing do primeiro game em aproveitar a expectativa para um novo filme para tentar aumentar as vendas.
Tinha tudo para dar certo se não fosse a decisão da EA em atrelar o sistema de progressão multiplayer a um esquema de loot crates.
Para quem não acompanhou toda a controvérsia durante o lançamento, a evolução dos personagens funcionava assim: após terminadas as partidas online o jogador era recompensado com créditos de acordo com o seu desempenho, esse dinheiro era usado para comprar caixas surpresa que tinham conteúdos variados, como mais créditos, poses de vitória, emotes, blasters e Star Cards, os itens mais importantes de todo multiplayer, que concediam bônus ou habilidades ao jogador.
E apesar de vários jogos usarem o mesmo sistema de progressão, o grande problema de Battlefront 2, além da natureza aleatória dos itens obtidos, era o custo de cada loot box.
Mesmo se o jogador fosse o melhor em uma partida a quantidade de créditos obtida era irrisória e seria necessárias mais ou menos 3 horas de jogatina para conseguir comprar uma única loot box, cujo conteúdo poderia ser uma carta de uma classe que o jogador não usava ou itens duplicados, por exemplo.
E se esses dois problemas gigantes não bastassem, a pá de terra derradeira jogada no caixão de Battlefront 2 foi exigir que o jogador usasse esses mesmos créditos para comprar os Heróis e Vilões do jogo.
Quer jogar como Han Solo? Sem problemas, por 40.000 créditos você pode. Prefere o Darth Vader? Aí já é um pouco mais caro, mas o que são 60.000 créditos para você?
Segundo as contas de um usuário no Reddit, que depois se tornou reportagem no Kotaku, poderiam ser necessárias em média 40 horas para liberar um único personagem.
Se isso por si só já não fosse absurdo o suficiente a resposta da EA seria ainda mais delirante: segundo justificativa da empresa publicada no Reddit esse sistema incentivava o sentimento de conquista e merecimento que o jogador teria ao desbloquear o personagem.
Esse comentário foi tão desastroso que entrou para o Livro de Recordes do Guinness como o comentário com mais reações negativas da história do Reddit.
Obviamente esses problemas poderiam ser resolvidos de uma forma muito mais simples: você poderia comprar com dinheiro real as loot boxes e diminuir o tempo de progressão consideravelmente.
Contudo, devido a imensa quantidade de reclamações, atenção da mídia e por ser uma propriedade mundialmente adorada, um fator importantíssimo chamou a atenção de legisladores e governos do mundo todo e o problema era ainda maior do que possíveis violações de direitos do consumidor.
Por conta da aleatoriedade do conteúdo recebido as loot boxes poderiam ser consideradas uma forma de aposta, o que é proibido em diversos países.
Então além do problema moral agora Battlefront 2 entrava no epicentro de diversas discussões jurídicas, sobretudo por ser classificado no ESRB como voltado para um público jovem a partir de 13 anos.
E mesmo que apostar seja legal em alguns países, com certeza envolver menores de idade nisso não é.
Como mencionado anteriormente, mesmo que Battlefront 2 não seja o primeiro ou único produto a utilizar essa mecânica (Overwatch, Dota, CS-GO e FIFA usam sistemas similares), com certeza a atenção que recebeu jogou gasolina em uma fogueira que antes eram apenas brasas, culminando com o banimento da venda de jogos que utilizassem o sistema de loot crates por parte dos governos da Bélgica e Holanda.
Com isso, Star Wars Battlefront 2 mudaria para sempre a história dos videogames, de forma nada boa para a EA e para a franquia da Disney, mas de uma forma muito positiva para o público.
Alguns desenvolvedores passaram a usar como marketing o fato dos seus games não conterem loot boxes, e as reclamações e boicotes em uníssono mostraram que o público estaria disposto a votar com a carteira e não se sujeitar a práticas que considerasse abusivas, além de gerar alguns memes muito engraçados.
Mas esse não era o fim para Battlefront 2.
Humildade imposta
Disposta a limpar a sua imagem e atender aos seus consumidores, a EA resolveu reformular todo o seu sistema de progressão do game, remover toda e qualquer aleatoriedade das loot boxes (que agora teriam apenas créditos e itens de customização) e liberar todos os personagens para serem usados no multiplayer.
O jogador ainda poderia comprar itens cosméticos, emotes, etc., usando créditos obtidos através de progressão nas partidas, mas não poderia mais usar dinheiro de verdade para isso.
Obviamente a mão pesada e multibilionária da Disney, proprietária da marca Star Wars, a queda das ações da Electronic Arts e o horizonte de diversas ações legais influenciaram muito mais do que a pressão dos consumidores, mas o que importa nesse caso não é o porquê a EA resolveu consertar Battlefront 2 e sim que ela estava empenhada em fazer isso.
E em 21 de março de 2018, pouco mais de 4 meses após o lançamento, o patch 2.0 começou a dar vida nova a Battlefront 2, removendo as controversas loot boxes e liberando todos os Heróis e Vilões, sem a necessidade de serem adquiridos através de créditos.
Finalmente os jogadores poderiam ter o produto completo que compraram, ou quase isso.
Os próximos meses ainda seriam marcados por rebalanceamentos e correção de bugs, entretanto Battlefront 2 começava a renascer das cinzas, mas ainda teria que fazer muito para ganhar novamente a confiança dos jogadores e esse artigo é justamente para tentar tranquilizar aqueles que continuam desconfiados até hoje.
O caminho da redenção
Não vou detalhar atualização por atualização já que esse não é o objetivo aqui e como são 25 updates seria necessário um texto apenas cobrindo esse ponto, contudo vou destacar as principais que trouxeram mudanças significativas e que conseguiram manter a comunidade engajada e interessada em Battlefront 2.
Se março de 2018 marca o ponto de virada para o game com um novo sistema de progressão ativo, em abril a atualização foi um pouco mais modesta, mas o destaque foi a estreia do modo Ewok Hunt, onde o jogador pode escolher entre Ewoks ou Stromtroopers para caçar o adversário durante as noites na floresta de Endor.
O modo lembra bastante a jogabilidade assimétrica de Friday 13th: The Game ou Dead by Daylight e é muito interessante.
Maio e junho trouxeram novas aparências para os heróis baseadas nos visuais do filme Han Solo: Uma História Star Wars, além do balanceamento de personagens e correção de bugs.
Julho, agosto e setembro vieram com importantes atualizações no sistema de Esquadrões, mas foi em outubro, novembro e dezembro de 2018 que as atualizações mais esperadas até então foram lançadas: General Grievous como novo integrante do time dos Vilões, A Batalha de Geonosis e Obi-Wan Kenobi como nova adição ao panteão dos Heróis.
Se essas palavras soam alienígenas para você, vou traduzir o que essa atualização significou: era a maior expansão desde a reformulação em março, o maior mapa lançado até então, novos veículos e dois novos personagens icônicos muito esperados pelos fãs, além de contemplar um dos períodos mais pedidos desde o primeiro Battlefront em 2015: As Guerras Clônicas.
Eu comecei minha história com Battlefront 2 a contragosto em agosto de 2018, um dia depois de platinar o Battlefront de 2015. Eu havia gostado bastante do primeiro, mas que achava vazio e com pouco conteúdo, some a isso a má reputação em relação ao lançamento do segundo e minha desconfiança com o game era alta, mas mesmo assim comprei por ser fã da franquia, só que fui sem muitas esperanças.
O que encontrei era muito diferente do que pensava, por ter comprado um game que já havia passado por tantas atualizações que consertaram todos os erros passados eu não peguei essa má fase que o jogo teve e ainda sentia uma força vibrante a cada novo anúncio de novas atualizações, Battlefront 2 parecia cada dia mais sólido.
Comecei a acompanhar o Gerente de Comunidades de Star Wars Battlefront 2 no twitter e vários canais no YouTube exclusivamente dedicados a cobrir notícias semanais sobre ele.
Isso mesmo, nessa fase existiam revelações dos planos através de roadmaps e community transmissions quase semanalmente no site da EA, o que aumentava muito meu apreço pelo jogo.
Era muito bom fazer parte de todo o zeitgeist e discutir quais as melhores builds, quais cartas valiam a pena evoluir, qual combinação de poderes era melhor e qual modo de jogo eram os nossos preferidos e porque todos odiavam jogadores que escolhiam o Boba Fett em cenários abertos.
Nunca fui muito bom em jogos multiplayer, e apesar de Battlefront 2 ter uma campanha boa, ela era muito curta e insipiente e servia quase como um tutorial para o modo online.
Estava fascinado em como Battlefront 2 era excelente e como muita gente, por ignorar todas as melhorias implementadas, não sabiam o quanto valia a pena dar uma chance ao game por todo o suporte e engajamento tanto dos desenvolvedores como da comunidade.
E se as atualizações de final de 2018 já tinham consolidado Battlefront 2 como uma das melhores experiências que tive com games naquele ano, janeiro e fevereiro de 2019 acrescentariam dois personagens que todos aguardavam com ansiedade: o Vilão Conde Dooku e Anakin Skywalker como Herói.
Estava muito curioso em como fariam o gameplay do Anakin ser diferente da sua versão Darth Vader, e mais uma vez fui surpreendido de forma positiva, essa atualização me fez retornar ao game que ainda estava instalado e jogar mais algumas dezenas de horas.
Infelizmente por uma questão de tempo não consegui mais me dedicar a Battlefront 2 e dar a atenção que ele merecia e essa foi a minha última experiência com o título até então.
Apesar de não estar efetivamente jogando continuei acompanhando as notícias sobre e é satisfatório perceber o quanto o game continuou expandindo, em março foi lançado o maior modo de jogo chamado Capital Supremacy, onde até 40 jogadores e 24 bots disputam a captura de postos de controle, envolvendo soldados comuns, unidades especiais, Heróis, Vilões, veículos terrestres e uma parte com veículos aéreos.
Em quase todos os meses após março houveram atualizações de conteúdo, com destaque para a inclusão dos Reforços Especiais Droidekas no update de junho e o lançamento dos mapas do mundo de Felucia, talvez os mais diferente e bonitos de Battlefront 2 em setembro.
No início de dezembro de 2019 o game foi relançado e rebatizado como Star Wars Battlefront 2: Celebration Edition, e essa edição trazia todos os conteúdos de customização já desbloqueados, incluindo os que seriam lançados no meio do mês como parte do update relacionado ao filme A Ascensão Skywalker, além de novas aparências exclusivas da edição.
Os jogadores que já possuíam o game base poderiam optar por pagar um valor complementar para desbloquear os conteúdos da Celebration ou desbloquear através de gameplay.
Em fevereiro de 2020 foi lançada uma atualização que incluía os androids BB-8 e BB-9E como Herói e Vilão, respectivamente, e no final de abril, como mencionado no começo do texto, a Batalha de Scarif, que será o último update com conteúdos inéditos para Battlefront 2.
Isso não quer dizer que o game será abandonado, os servidores continuam funcionando e não existe nenhum anúncio do seu desligamento em um futuro próximo e a EA se comprometeu a continuar o suporte e eventuais balanceamentos para os diversos modos online, só não teremos novos mapas ou personagens.
Com todos os updates que foram lançados desde o final de 2017 e depois do sucesso de Star Wars: Jedi Fallen Order, a impressão é que as pessoas estão gradualmente descobrindo o jogo que Battlefront 2 se tornou.
E por conta dessa quantidade de conteúdos a comunidade online do game nunca esteve tão movimentada e cheia de jogadores, então esse talvez seja o melhor momento para retornar ou dar uma primeira chance e começar Star Wars Battlefront 2.
O download do meu já começou.
Que a força esteja com vocês.