Por que Elden Ring é incrível?
Isso não é um review, mas sim um texto de um apaixonado por Elden Ring. Leia por sua conta e risco, e se apaixone também.
“Um anel para todos governar, um anel para encontrá-los, um anel para todos trazer e na escuridão aprisioná-los…”
Não seria apropriado que Elden Ring começasse sua história roubando a clássica introdução de A Sociedade do Anel, mas é nítido desde a primeira cena o tamanho da influência que J. R. R. Tolkien exerceu sobre a equipe da From Software no desenvolvimento de seu último trabalho.
O impacto de Tolkien na cultura popular é gigantesco, sejam livros, filmes, músicas, jogos, RPGs, tanto faz, vários produtos modernos de fantasia se apoiam direta ou indiretamente nos conceitos criados por ele em 1937, com o lançamento do livro O Hobbit ou Lá e de Volta Outra Vez, com a expansão do universo, iniciada em 1954 com A Sociedade do Anel e As Duas Torres, e finalizada em 1955 com O Retorno do Rei.
E isso não é diferente quando analisamos a obra da From Software. Desde King’s Field (1994), culminando com o lançamento de Demon’s Souls (2009), e a inauguração do que veio a ser conhecido como gênero souls-like com Dark Souls (2011), a desenvolvedora japonesa sempre homenageou a obra do escritor de alguma forma em seus jogos.
Contudo, se essa influência sempre foi mostrada de forma discreta, em Elden Ring ela é escancarada. E isso é um elogio, não uma crítica.
É interessante observar como mais pessoas ficaram interessadas em Elden Ring, quando comparado a qualquer outro jogo da empresa, mesmo a From Software já tendo alcançado um nível de reputação e uma base fiel de seguidores. E parte disso pode ser atribuído a alguns fatores específicos.
O primeiro deles foi a ambientação e mitologia criadas para o jogo com a ajuda de outro escritor de fantasia: George R. R. Martin, mais conhecido por não publicar o sexto livro de As Crônicas de Gelo e Fogo.
Toda a familiaridade que temos com esse tipo de história por conta do consumo de obras derivadas ou influenciadas pelo trabalho de Tolkien (e Martin bebe muito dessa fonte) acabaram tornando a narrativa do jogo mais palatável para uma audiência maior, além do marketing gerado por se ter um escritor de renome por trás de uma parte tão significativa de um game.
As entrevistas dadas por Martin não deixam claro o quanto de envolvimento ou liberdade criativa ele teve na estruturação do mundo de Elden Ring, mas quem conhece seus livros consegue enxergar pontos de convergência que talvez tenham saído da sua cachola sádica. Apesar disso, a história segue sendo contada de forma obtusa, uma das marcas registradas da From Software.
O segundo fator que explica a expectativa das pessoas em relação ao título foi curiosidade. Todos os jogos da From Software até então eram mundos contidos em suas próprias estruturas, mesmo que alguns oferecessem uma liberdade criativa maior, como Bloodborne, ou de movimentação, como Sekiro: Shadows Die Twice, eles ainda foram construídos em estruturas semi-lineares.
Já Elden Ring mirou um alvo maior: ele seria o primeiro game da empresa ambientado em um mundo aberto, e se isso gerou expectativas por um lado, também gerou desconfiança de outro.
A dúvida era se eles conseguiriam criar uma estrutura de jogabilidade que incorporasse tudo pelo qual ficaram conhecidos, em um formato já tido como saturado, de uma forma que mantivesse as coisas interessantes.
E a resposta veio quando as primeiras notas altíssimas dadas pela crítica especializada foram publicadas.
A desenvolvedora não só conseguiu fazer um ótimo trabalho em seu primeiro mundo aberto, tornando o ato de explorar viciante e recompensador, como Elden Ring vem sendo colocado lado a lado a grandes exemplos do estilo tais como The Witcher 3: The Wild Hunt e The Legend of Zelda: Breath of the Wild.
Rapidamente o game se tornou o produto mais bem avaliado da From Software até então, dominou (e ainda domina) o assunto nas redes sociais quando o assunto é videogames e, para alguns (eu incluso), o Game of the Year de 2022 tem nome certo.
Isso funcionou, e funciona, como um chamariz para uma expansão potencialmente enorme da base de fãs da desenvolvedora. O jogo já é, no Reino Unido, o título com maior número de vendas em sua semana de lançamento desde Red Dead Redemption 2.
Isso deixa para trás nomes como Cyberpunk 2077, Assassin’s Creed Valhalla e o recente, e também queridinho da crítica, Horizon: Forbidden West, vendendo cerca de duas vezes e meia a mais que esse último, levando em consideração a respectiva primeira semana de vendas de cada um.
O terceiro motivo que faz com que Elden Ring mereça toda a reação que está recebendo é que ele é mais acessível que todos os jogos anteriores da From Software. Contudo, mesmo que ofereça mais opções ao jogador, de forma alguma ele é menos desafiador que seus antecessores.
Quem nunca jogou um souls-like, e for conhecer os jogos do estilo através deste, principalmente em virtude das notas altas, terá um caminho árduo pela frente. Na minha opinião, em alguns pontos até mais difícil que qualquer título da desenvolvedora.
Mas o que isso quer dizer? Como um jogo pode ser o mais acessível e o mais difícil ao mesmo tempo?
Em Demon’s Souls, Dark Souls, Bloodborne e Sekiro existem caminhos que o jogador pode seguir, mas eles são limitados. Apesar de existir liberdade para escolher por onde começar, em um determinado momento é inevitável que suas opções comecem a diminuir e seja preciso encarar aquele desafio que estava evitando até então.
O primeiro Dark Souls é um exemplo claro disso. O jogador pode escolher ir para qualquer lugar a partir de Firelink Shrine, mas ainda vai precisar tocar dois sinos em lugares específicos para abrir o caminho de Sen’s Fortress, chegar a Anor Londo, para daí então prosseguir com a história. A escolha existe até que não se tenha mais escolha.
Já em Elden Ring, apesar do objetivo principal também levar a um afunilamento desses caminhos para o andamento da narrativa, existem inúmeras possibilidades para se chegar até eles.
Se uma área for muito difícil é possível fugir dela (literalmente às vezes), explorar outros cenários e talvez através disso conseguir recursos necessários para avançar. E a From Software ensina isso logo de cara colocando um obstáculo memorável já na primeira área na forma do mini-chefe Sentinela da Árvore.
O desafio que ele impõem é brutal, e é praticamente impossível tentar derrotá-lo sem recursos que o jogador vai encontrar um pouco depois. Isso não te impede de tentar uma, duas, três… dez vezes, mas fica claro que algo está faltando.
Se o jogador decidir passar pelo Sentinela sem ser notado, em questão de minutos é possível encontrar personagens e recursos que vão tornar as próximas tentativas muito menos frustantes. Ainda vai ser difícil, possivelmente você morrerá algumas outras vezes, mas a balança começa a equilibrar. E o sentimento de, aos poucos, superar os desafios que o jogo coloca a sua frente é catártico, quase inexplicável de tão viciante.
Além das possibilidades que o mundo aberto oferece, outras três novidades coroam o combate de Elden Ring e acabam facilitando seu progresso imensamente: as Cinzas de Invocação, Torrente, sua montaria e as Cinzas de Guerra.
As Cinzas de Invocação permitem que o jogador chame espíritos para lutar ao seu lado, e elas são vitais em vários dos chefes principais, embora trivializem alguns chefes secundários em muitos casos. Já as Cinzas de Guerra permitem equipar ou substituir a habilidade especial de uma arma.
Essa mecânica sozinha, uma evolução das weapon arts de Dark Souls 3, cria uma gama de customização incrível. Gostou dos golpes de uma arma, mas o especial dela é ruim? Basta trocar essa habilidade usando a Cinza de Guerra que mais gostou e pronto, você tem um novo instrumento perfeito de matança.
Já a montaria não é só necessária para explorar a vastidão de Elden Ring, mas também extremamente útil durante as lutas, seja para fugir ou para engajar em combate.
Confesso que demorei um pouco para me adaptar a movimentação e às batalhas montadas, mas depois que entendi os conceitos, algumas lutas ficaram bem mais fáceis, principalmente contra inimigos que cobrem grandes distâncias, como dragões.
Poderia ainda descrever inúmeras outras mecânicas ou pequenos detalhes que foram colocadas no jogo e que somados tornam ele maravilhoso, mas o objetivo não é revelar tudo que ele oferece, e sim te convencer que essa é uma experiencia que você precisa ter.
Mas não se engane, o seu personagem não é o protagonista do jogo, nem o anel prístino e nem qualquer um dos semi-deuses, chefes e sub-chefes, um mais incrível e mirabolante que o outro. O protagonista é a ambientação. E, nesse sentido, a construção de mundo do jogo é primorosa.
A From Software conseguiu criar um mundo interessantíssimo em que se aventurar é ao mesmo tempo intimidador, porém convidativo.
Descobrir cada centímetro do mapa é viciante, necessário e delicioso. É normal, mesmo depois de várias horas, o jogador ainda não ter avançado muito na história principal de tão incrível que é vagar pelo mundo. E o melhor de tudo, o sentimento de que essa exploração está me recompensando de acordo faz com que eu não queira falar, pensar ou jogar outra coisa.
Quanto mais exploro, mais detalhes incríveis consigo captar, encontro armas melhores, outros vendedores, encantamentos, novas missões, NPCs duvidosos, histórias paralelas que ainda não tinha visto, e muito mais.
A impressão é que Elden Ring é uma fonte inesgotável de conteúdo, mesmo sabendo que isso não é verdade. Apesar de gigantesco, misterioso, orgânico e mesmo que — para conseguir apreciar tudo que ele oferece — eu leve muito mais que as 50 horas que tenho no momento que escrevo esse texto, em algum momento vou chegar ao fim dele.
E, diferente de alguns games que torço para terminarem rápido para que possa jogar outra coisa, ou mesmo para que consiga analisar outros jogos para o site, fico triste em pensar que vou precisar, uma hora ou outra, encerrar minha história com essa obra prima pintada com sangue, suor e lágrimas.
Mesmo que, às vezes, algumas dessas lágrimas sejam minhas.
Esse artigo sobre Elden Ring foi escrito através de uma cópia de PlayStation 5 gentilmente cedida pela assessoria de imprensa do game. Também disponível para PlayStation 4, Xbox One, Xbox Series X|S e computadores.